Cerveja: o transgênico que você bebe

FONTE CARTA CAPITAL

http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/cerveja-o-transgenico-que-voce-bebe-300.html

Cerveja: o transgênico que você bebe

Sem informar consumidores, Ambev, Itaipava, Kaiser e outras marcas trocam cevada pelo milho e levam à ingestão inconsciente de OGMs
por Flavio Siqueira Júnior e Ana Paula Bortoletto — publicado 01/03/2014 12:06
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[Este é o blog do site Outras Palavras em CartaCapital. Aqui você vê o site completo]

Por Flavio Siqueira Júnior* e Ana Paula Bortoletto*

Vamos falar sobre cerveja. Vamos falar sobre o Brasil, que é o 3º maior produtor de cerveja do mundo, com 86,7 bilhões de litros vendidos ao ano e que transformou um simples ato de consumo num ritual presente nos corações e mentes de quem quer deixar os problemas de lado ou, simplesmente, socializar.

Não se sabe muito bem onde a cerveja surgiu, mas sua cultura remete a povos antigos. Até mesmo Platão já criou uma máxima, enquanto degustava uma cerveja nos arredores do Partenon quando disse: “era um homem sábio aquele que inventou a cerveja”.

E o que mudou de lá pra cá? Jesus Cristo, grandes navegações, revolução industrial, segunda guerra mundial, expansão do capitalismo… Muita coisa aconteceu e as mudanças foram vistas em todo lugar, inclusive dentro do copo. Hoje a cerveja é muito diferente daquela imaginada pelo duque Guilherme VI, que em 1516, antecipando uma calamidade pública, decretou na Bavieira que cerveja era somente, e tão somente, água, malte e lúpulo.

Acontece que em 2012, pesquisadores brasileiros ganharam o mundo com a publicação de um artigo científico no Journal of Food Composition and Analysis, indicando que as cervejas mais vendidas por aqui, ao invés de malte de cevada, são feitas de milho.

Antarctica, Bohemia, Brahma, Itaipava, Kaiser, Skol e todas aquelas em que consta como ingrediente “cereais não maltados”, não são tão puras como as da Baviera, mas estão de acordo com a legislação brasileira, que permite a substituição de até 45% do malte de cevada por outra fonte de carboidratos mais barata.

Agora pense na quantidade de cerveja que você já tomou e na quantidade de milho que ela continha, principalmente a partir de 16 de maio de 2007.

Foi nessa data que a CNTBio inaugurou a liberação da comercialização do milho transgênico no Brasil. Hoje já temos 18 espécies desses milhos mutantes produzidos por MonsantoSyngentaBasfBayerDow Agrosciences e Dupont, cujo faturamento somado é maior que o PIB de países como Chile, Portugal e Irlanda.

Tudo bem, mas e daí?

E daí que ainda não há estudos que assegurem que esse milho criado em laboratório seja saudável para o consumo humano e para o equilíbrio do meio ambiente. Aliás, no ano passado um grupo de cientistas independentes liderados pelo professor de biologia molecular da Universidade de Caen, Gilles-Éric Séralini, balançou os lobistas dessas multinacionais com o teste do milho transgênico NK603 em ratos: se fossem alimentados com esse milho em um período maior que três meses, tumores cancerígenos horrendos surgiam rapidamente nas pobres cobaias. O pior é que o poder dessas multinacionais é tão grande, que o estudo foi desclassificado pela editora da revista por pressões de um novo diretor editorial, que tinha a Monsanto como seu empregador anterior.

Além disso, há um movimento mundial contra os transgênicos e o Brasil é um de seus maiores alvos. Não é para menos, nós somos o segundo maior produtor de transgênicos do mundo, mais da metade do território brasileiro destinado à agricultura é ocupada por essa controversa tecnologia. Na safra de 2013 do total de milho produzido no país, 89,9% era transgênico. (Todos esses dados são divulgados pelas próprias empresas para mostrar como o seu negócio está crescendo)

Enquanto isso as cervejarias vão “adequando seu produto ao paladar do brasileiro” pedindo para bebermos a cerveja somente quando um desenho impresso na latinha estiver colorido, disfarçando a baixa qualidade que, segundo elas, nós exigimos. O que seria isso se não adaptar o nosso paladar à presença crescente do milho?

Da próxima vez que você tomar uma cervejinha e passar o dia seguinte reinando no banheiro, já tem mais uma justificativa: “foi o milho”.

Dá um frio na barriga, não? Pois então tente questionar a Ambev, quem sabe eles não estão usando os 10,1% de milho não transgênico? O atendimento do SAC pode ser mais atencioso do que a informação do rótulo, que se resume a dizer: “ingredientes: água, cereais não maltados, lúpulo e antioxidante INS 316.”

Vai uma, bem gelada?


*Ana Paula Bortoletto é nutricionista e doutora em nutrição em saúde pública. Flavio Siqueira Júnior é advogado e ativista de direitos humanos.

O jogo do gás natural entre Europa e Rússia

FONTE: BLOG INFOPETRO

http://infopetro.wordpress.com/2012/03/19/observatorio-de-geopolitica-da-energia-ii-o-jogo-do-gas-natural-entre-europa-e-russia/

Observatório de geopolítica da energia II: o jogo do gás natural entre Europa e Rússia

In gás natural on 19/03/2012 at 00:15

Por Renato Queiroz e Felipe Imperiano

O acesso  a recursos que revertam em  segurança energética  constitui-se em tema relevante nas pautas de política externa dos países. A concentração espacial de recursos naturais estratégicos para o desenvolvimento das nações e garantidores do nível de bem-estar de seus cidadãos tem consequências profundas no delineamento das políticas energéticas das nações. O uso de ativos energéticos como ferramenta de defesa de interesses políticos e econômicos não é algo novo no cenário internacional.

Um bom exemplo que se tornou emblemático para os estudiosos em geopolítica energética é a situação de dependência da Europa em relação ao  gás russo e, em contrapartida, como o gás natural é estratégico para o desenvolvimento econômico da Rússia. O Estado russo sempre se valeu de suas enormes reservas de óleo e gás. O país tem a sétima maior reserva de petróleo do mundo e a maior reserva de gás natural, isto é, 24% do total.  Em 2010 a Rússia foi ao mesmo tempo maior produtor de gás natural, alcançando a cifra de 637 bcm (bilhões de metros cúbicos), isto é, 19,4% do total produzido mundialmente, sendo ao mesmo tempo o número um em exportações (IEA, 2011).

A  Europa, ávida por energia, traçou planos para o suprimento ao seu mercado através de fontes longínquas de suas fronteiras. Os russos se mobilizaram e vieram construindo de forma gradual e persistente seus oleodutos e gasodutos em direção à Europa. A Rússia tem um planejamento nacional estratégico expansionista, baseado em  exportação de energia sendo, inclusive, o único exportador líquido de energia dos BRIC´s. O principal mercado para o gás russo é a Europa.

Como o crescimento do consumo de gás no continente europeu deve permanecer por longo período, essa dependência energética da Rússia deve ter vida longa segundo muitos analistas. A fatia da estatal russa Gazprom  no mercado europeu ultrapassa 50%.  Agravando essa dependência, surge a insegurança que ronda as decisões sobre o uso de plantas de geração de energia nuclear na Europa, o que coloca o gás natural como uma forte opção para atender a uma oferta perdida. Em adição, a crise econômica iniciada em 2011 deflagrou um processo de austeridade fiscal, o qual traz consequências importantes sobre a capacidade de financiamento de fontes alternativas de energia,  aumentando ainda mais a dependência da matriz europeia  ao  gás natural.  Logo, essa questão ganha contornos mais complexos no continente europeu, posto que o seu número de fornecedores é bastante reduzido.

Os russos sempre utilizaram as mais diversas estratégias para manterem seus negócios energéticos com a Europa. O subsídio da energia para os estados membros da antiga URSS já era uma prática comum antes mesmo da ascensão ao poder de Vladmir Putin na Rússia, por exemplo. Ainda hoje esse artifício é bastante usado pelo Kremlin. Nas recentes disputas pelo preço do gás com os países do leste europeu, foi oferecido o perdão da dívida em troca do monopólio da rede de dutos que passam por aqueles países para levar gás russo até o oeste europeu e assim aumentar o controle da Gazprom sobre o transporte do suprimento energético para a Europa.

Por um lado, se a Europa é bem dependente da energia proveniente da Rússia, por outro ela exerce importante papel na economia russa. A União Europeia não só é o principal parceiro comercial, como também a maior fonte de investimento direto estrangeiro (IDE) no país. Em 2008 o IDE da UE na Rússia atingiu US$ 43 bilhões, sofrendo uma substancial queda após a crise financeira mundial, porém se recuperando rapidamente e chegando ao patamar de US$ 34 bi já em 2010. Mas há gargalos de infraestrutura e de atraso tecnológico na Rússia.  O país necessita de fortes investimentos nessas áreas e de transferência  de  know-how ocidental, vital para que o seu setor energético não enfrente uma queda na produção, o que poderia afetar drasticamente o orçamento do Estado. Assim, o fluxo de recursos financeiros provenientes das vendas de gás para a Europa é vital.

Além disso, o preço pago pelo gás russo teve consideráveis elevações nos últimos anos,  aproximando-o do Gás Natural Liquefeito-GNL, o que fez com que este se tornasse mais competitivo. O gráfico abaixo apresenta a evolução dos preços do gás natural nos mercados, incluindo o do gás natural no Henry Hub.

Tal competitividade levou a Rússia a monitorar atentamente o mercado de GNL, desenvolvendo estratégias que impeçam que esse gás concorrente aumente a sua  participação no mercado energético europeu.  Como exemplo, em novembro de 2011, em Doha, no Qatar, na  1ª Cúpula de Países Exportadores de Gás Natural [1], os russos, representados pelo seu presidente Dmitri Medvedev, estiveram nessa cimeira com uma posição de defender seu mercado de gás. Afinal a expansão das plantas de GNL é uma forte ameaça para a manutenção do marketshare russo, podendo levar a uma perda de receita significativa.  A Rússia, assim, negociou com o Qatar, em troca de não aumentar o  fornecimento de GNL à Europa, o direito de investir no projeto Yamal que vai produzir gás natural liquefeito na península de mesmo nome  na Sibéria, uma espécie de embargo do GNL ao velho continente.

A Europa, no entanto, busca soluções de novas fontes de fornecimento de gás fora da Rússia. A região do Cáucaso e da Ásia Central se tornou a nova fronteira energética, sendo alvo de disputa por diversas potências. O Turcomenistão tem a quarta maior reserva de gás do mundo, o Cazaquistão a nona maior de petróleo. O Azerbaijão tem  reservas de gás comprovadas que totalizam cerca de 2,6 trilhões de metros cúbicos.  As perspectivas de  produção de gás no Azerbaijão em 2017 atingirão 30 bilhões de metros cúbicos,  e em 2025 – 50 bilhões. A Europa tem no “Corredor do Sul”, como é chamado o conjunto de projetos que pretendem ligar a região ao continente europeu, a sua principal alternativa para reverter o quadro delicado em que se encontra no campo energético.

O gasoduto Nabucco, por exemplo, é o projeto mais ambicioso e mais caro de todos. A base prevista de recursos são as reservas no Azerbaijão e Turcomenistão.  Esse  gasoduto transportaria gás da Ásia Central à Europa de forma a reduzir a dependência da energia russa. Há dificuldades ainda para a concretização do projeto. O gasoduto de grande extensão necessita de cerca de 14 bilhões de euros para o seu financiamento e  tem ainda um traçado que exige difíceis acomodações políticas. Essa indefinição faz com que os russos mantenham a determinação de influenciar o mercado europeu de energia.

Historicamente a região do Cáucaso e Ásia Central esteve sobre a égide russa. Logo, Moscou lança mão de todas as táticas para  manter a área dentro de seu controle político,  buscando inclusive estabelecer ações, para que  os fluxos de energia para a Europa sigam pela sua rede de transporte. Uma das manobras russas é enfraquecer o poder dos ucranianos que tem um histórico de colocar empecilhos técnicos e comerciais,  para que o gás russo, que passa pela Ucrânia, chegue à Europa. A Rússia, assim, buscou acabar com a sua dependência em relação ao gasoduto da Ucrânia. O projeto russo-alemão Nord Stream,  inaugurado em 2011, dá condições à Rússia de enviar gás natural diretamente para a Europa através de gasodutos submarinos construídos no Mar Báltico. Outra estratégia dos russos seria a construção do projeto South Stream nas águas territoriais turcas no Mar Negro. A Turquia já autorizou que os russos passassem o duto por suas águas territoriais. Esse projeto, se consolidado, permitirá que a Rússia atinja o sudeste europeu, podendo inviabilizar o projeto Nabucco.

Verifica-se que os russos estão acelerando suas ações para manter a condição de fornecedor principal de gás à Europa, afinal, além do GNL, um novo e forte concorrente bate à porta, querendo  entrar no jogo: o shale gás, ou seja, o gás recuperável nas rochas de xisto. Vale ressaltar que a Polônia, que se organiza para explorar  suas reservas de gás de xisto que beiram 5,0 trilhões de metros cúbicos,  pode reduzir a dependência de Moscou sobre a Europa.

O jogo do gás natural entre Europa e Rússia trará, no médio prazo, novas configurações. O aumento da oferta do gás natural seja convencional, shale gás, ou GNL mexerá no tabuleiro energético não somente da Ásia e Europa, mas também no âmbito mundial. Um dado curioso é comparar as reservas provadas de gás convencional que somam 6.608 trilhões de pés cúbicos-TCF( trillion cubic feet) ou seja,  cerca de 187 trilhões de metros cúbicos, segundo a BP,  e o volume de shale gas recuperável,  conforme estudo da EIA de 2011, que soma o mesmo nível do convencional, 6.620 TCF ou 187,4 trilhões de metros cúbicos.

Em suma a maior oferta de gás trará um alinhamento dos mercados. Esse cenário de gás abundante no horizonte de 20 a 40 anos (2030 a 2050) influenciará, certamente, os preços dos combustíveis fósseis e pode, inclusive, respingar no mercado das energias renováveis.


[1] A 1ª Cúpula de Países Exportadores de Gás Natural reuniu  Rússia, Argélia, Bolívia, Venezuela, Egito, Irã, Qatar, Líbia, Nigéria, Guiné Equatorial e Trinidad e Tobago. Estavam presentes como observadores a Holanda, a Noruega e o Cazaquistão. Esses 14 países controlam 70% das reservas mundiais de gás e mais de 80% da produção do gás natural liquefeito-GNL

Referencias Bibliográficas

BP Statistical Review of World Energy, 2011

IEA World Energy Outlook, 2011

EIA-DOE World  Shale Gas Resources: An Initial Assessment of 14 Regions Outside

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As liberdades vigiadas da Ucrânia e da Crimeia

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O mapa e gráfico acima mostram a dependência dos países europeus (mas não só eles) do gás natural produzido na Rússia, e comercializado pela Gazprom. Note-se que tanto a Crimeia quanto a Ucrânia são pontos importantes em tal distribuição, pois é distribuidora através dos gasodutos que passam no território da Ucrânia e da República Autônoma da Crimeia.

Notemos que tanto a Ucrânia, quanto a Crimeia são pontos que igualmente participam de tal distribuição, mas, além disso a Crimeia é uma República Autônoma da Ucrânia. Na verdade a Crimeia era integrante da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), tendo sido transferida por Nikita Krushov para a Ucrânia em 1954 em razão da comemoração do 300º aniversário de unificação da Ucrânia e da URSS. Com a debàcle desta última, , a Crimeia declarou sua independência em 5 de maio de 1992 e mais tarde concordou em se tornar integrante da Ucrânia na condição de República Autônoma.No entanto a maioria da população é russa e não concordou com a situação proposta. Podemos dizer que esse é um pólo de permanente tensão entre a Ucrânia e Crimeia.

Além do que, no Mar Negro há uma forte base naval soviética, que atua quando há conflitos armados na região.

Por outro lado, a Ucrânia está praticamente dividida entre sua população de origem russa e de origem ucraniana, além de outras minorias. Também aqui há uma situação bastante tensa. Em outros termos, um barril de pólvora, cujo rastilho não é muito curto. Assim se tem uma ideia dos conflitos na Ucrânia, quando uma parte de sua população prefere fazer parte da Comunidade Européia e outra pretende manter-se sob a influência soviética.

Quanto à economia, a Ucrânia é a sétima produtora de aço do mundo.

Não se pode dizer, em meu entender, que especialmente a Crimeia não faça parte da Rússia. No entanto, par Putin, o que houve na Ucrânia foi um golpe de estado. Do ponto de vista de retaliação, seja dos mercados, seja de sanções econômicas, os dois lados perdem. Falar em intervenção militar é uma bobagem inominável por parte dos Estados Unidos e da OTAN.

Aposto que o único caminho possível é o diplomático, pois sanções econômicas podem levar simplesmente ao fechamento das torneiras que abastecem de gás natural a Comunidade Européia. Alguém vai ter muito prejuízo, mas, sem dúvida, ele será compartilhado de modo brutal entre possíveis vencedores e perdedores, se é que se pode usar essa terminologia no caso.

Enquanto a retórica diplomática e as ameaças econômicas buscarem resolver o assunto, além, é claro, dos mísseis, dos tanques, dos exércitos soviéticos, sabemos já que perdedor mesmo só haverá um: o povo. Famílias destruídas, velórios, assassinatos, de encomenda ou não e uma destruição absurda. Esses sim, como sempre, os verdadeiros perdedores. HILTON BESNOS.

 

Por que o Uruguai legalizou a maconha

LE MONDE DIPLOMATIQUE

http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1599

Por que o Uruguai legalizou a maconha

No dia 23 de dezembro de 2013, o presidente uruguaio José Mujica aprovou um projeto de lei para criar um mercado regulamentado e legal da maconha. Com a medida, ele tornou-se o primeiro chefe de Estado a legalizar a produção e a venda – em uma rede de farmácias – de uma droga proibida em toda parte

por Johann Hari

No México, fotos de desaparecidos revestem os muros tal qual uma campanha publicitária colossal de um traficante de humanos. Segundo a organização Human Rights Watch, mais de 60 mil mexicanos perderam a vida na “guerra às drogas”, deflagrada em 2006 pelo então presidente Felipe Calderón. O banho de sangue se alimenta de duas fontes cruzadas: de um lado, os Estados Unidos fornecendo dinheiro e armas na outra margem do Rio Grande para reprimir o tráfico de entorpecentes; de outro, os cartéis lutando pelo controle das rotas de distribuição.1 No dizer de Charles Bowden, a guerra às drogas se iguala à guerra pela droga. Ambas são igualmente letais.

Até recentemente, dominava certo fatalismo inspirado pela constatação de que a selvageria não poderia ser detida, apenas deslocada. Entretanto, há dois anos, dirigentes latino-americanos, entre os quais o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, têm procurado romper publicamente com o dogma repressivo e colocar em prática uma política diferente – a única, eles asseguram, capaz de erradicar o mercado da droga. É essa a postura que o Uruguai está tentando adotar. Seu presidente, José Mujica, é um dirigente atípico. Ex-guerrilheiro tupamaro da década de 1980, ele ficou preso no fundo de um poço por 2,5 anos. Depois de eleito, em novembro de 2009, desprezou a pompa do palácio presidencial, preferindo permanecer em sua pequena casa com teto de zinco, num bairro popular de Montevidéu. Destina 87% de seu salário de chefe de Estado a instituições de apoio a projetos sociais de habitação e, de bom grado, vai de ônibus a muitos de seus compromissos.

Origens da violência

Em julho de 2013, ele baixou uma lei autorizando adultos a cultivar e vender Cannabis em todo o território nacional. Os usuários passaram a poder obter sua erva favorita nas farmácias, limitados a 40 gramas por mês, ou a cultivar, por conta própria, até seis pés por residência. É a primeira vez que um país transgride frontalmente os tratados da ONU que proíbem o uso da maconha.

“Já faz mais de cem anos que, de um modo ou de outro, adotamos políticas repressivas em relação às drogas”, explica-nos Mujica. “E, passado um século, concluímos que essas práticas resultaram num fracasso incontestável.” O ministro da Defesa uruguaio, Eleutorio Huidobro – outro ex-tupamaro que ficou preso no fundo de um poço por vários anos –, nos faz uma síntese da tomada de consciência que levou o governo de seu país a dar esse passo histórico: “Se não fizéssemos isso agora, o que aconteceu com o México acabaria acontecendo em nosso país. E estaríamos em maus lençóis”. Na verdade, o Uruguai se situa numa das principais rotas continentais da droga, seguida pela cocaína boliviana e pela maconha paraguaia antes de tomar o rumo da Europa. Segundo o deputado Sebastián Sabini, um homicídio em três no país está associado ao narcotráfico.

É a política de proibição, insiste Huidobro, que criou o narcotráfico e a violência dela decorrentes: “Ao reprimir a legalização da marijuana, o que se faz é colocar os benefícios desse mercado nas mãos dos criminosos e transformar os traficantes em uma instituição superpoderosa”. Numa economia ilegal, os litígios não são resolvidos por um tribunal, mas pelo terror. Da mesma forma como a proibição da bebida concebeu Al Capone e o massacre do Dia de São Valentim,2 a gangue dos Zetas e a carnificina sem fim que enluta o norte do México são frutos naturais da proibição dos entorpecentes. “A guerra dos Estados Unidos à droga causa mais dano do que a própria erva”, enfatiza Huidobro. “Ela provoca infinitamente mais vítimas, infinitamente mais instabilidade. Ela coloca para o planeta um problema bem mais grave do que qualquer droga. O remédio é pior do que a doença.”

O governo de Mujica considera a erradicação do comércio de drogas uma utopia fantasiosa. O slogan da ONU – “Um mundo sem drogas. É possível alcançá-lo” – parece-lhe um grande absurdo. O chefe de gabinete da presidência, Diego Cánepa, defende que a alteração química da consciência é resposta a um desejo básico da espécie humana, manifestado em todas as sociedades conhecidas.

A mobilização de tropas tem como único efeito o deslocamento do tráfico em algumas centenas de quilômetros. Os especialistas o definem como “efeito balão”: quando se aperta o dedo no balão cheio de ar, a circunferência dele aumenta sob o efeito da pressão. Os locais de produção atacados na Colômbia reapareceram na Bolívia, as redes desmanteladas no Caribe se reconstituíram no México etc. No máximo, conseguimos afastar o problema em vez de extingui-lo.

A partir dessa constatação, Mujica concluiu que, “uma vez que o mercado já existe, é preciso regulamentá-lo, fazê-lo sair das sombras para tirá-lo dos traficantes”. Nos Estados Unidos, a legalização do álcool em 1933 pôs fim ao tráfico de destilados de má qualidade e aos assassinatos entre concorrentes. A Budweiser não é chegada à filantropia, mas pelo menos não defende sua fatia de mercado acabando com funcionários da Guinness. Da mesma forma, a legalização da maconha – e sua comercialização em farmácias estabelecidas legalmente – tira o pão da boca do crime organizado. Por outro lado, os impostos cobrados podem servir para financiar centros de tratamento para dependentes e programas de prevenção contra o consumo de tóxicos.

Os adeptos sul-americanos da legalização não estão pretendendo enaltecer os benefícios da maconha nem estimular o consumo – o presidente Mujica não hesitou em qualificar os usuários de drogas leves de nabos, termo pejorativo que significa literalmente “nabos”. Eles estimaram, em contrapartida, que um “baseado” não é mais nocivo do que um copo de bebida alcoólica e que, portanto, era preciso ajustar-se à situação.

Doces com psicotrópicos

Os reformistas uruguaios não ignoravam que iam bater de frente com a indignação dos adeptos da proibição. Por décadas, estes últimos acenaram com o espectro de que a legalização seria sinônimo de caos e depravação, que convidaria crianças a correr até a confeitaria da esquina para se abastecer de psicotrópicos − ao que os uruguaios retrucam que caos é o que o continente deles vive no presente momento. A reforma que defendem visa exatamente ao oposto: retomar o controle do mercado para poder dominá-lo. Segundo eles, os adolescentes serão os principais beneficiários. Sabe-se que o consumo regular de maconha pelos mais jovens pode alterar-lhes as faculdades mentais e que é vital dissuadi-los do consumo. Hoje, os jovens norte-americanos preferem a maconha ao álcool,3 pela simples razão de que um traficante raramente pede um documento de identidade ao cliente. Em contrapartida, o farmacêutico está mais inclinado a respeitar a lei, caso contrário pode perder sua licença.

Pelos quatro cantos do mundo, são numerosos os legisladores e representantes do aparato policial a reconhecer, em caráter privado, as vantagens da legalização. No Uruguai, eles o fazem abertamente e agem de acordo. Por que eles, por que aqui? Por que razões os obstáculos intransponíveis lá fora – a inércia, o medo de desagradar aos Estados Unidos, o temor da opinião pública – são mais fáceis de ser vencidos no Uruguai do que em outra parte?

São diversos os fatores que se combinam. O primeiro diz respeito ao vigor excepcional do movimento antiproibicionista, atiçado por uma série de injustiças ostensivas. Em abril de 2011, por exemplo, uma professora da academia militar, Alicia Garcia, de 66 anos, foi presa por cultivar alguns pés de Cannabis em sua residência. Ela encarou vinte meses de prisão por produção ilegal para uso comercial. Formou-se então, em torno dela, uma rede de apoio à qual se associaram os jovens parlamentares do Movimento de Participação Popular (MPP), o partido de Mujica, em defesa da legalização.

Ao mesmo tempo, a autoridade dos Estados Unidos em relação ao assunto começou a vacilar. Em 2013, os estados do Colorado e de Washington adotaram uma lei, aprovada por meio de referendo, que legaliza o uso, a produção e a venda da marijuana. As autoridades norte-americanas estariam, a partir de então, em situação menos vantajosa para coibir ou punir países desejosos de fazer o mesmo.

Enfim, a popularidade e a determinação do presidente uruguaio exerceram um papel fundamental. Sem dúvida, depois de sobreviver anos no fundo de um poço, fica-se mais bem equipado para resistir a pressões, tanto internas como externas.

Até hoje, entretanto, Mujica e seus aliados ainda não obtiveram êxito em persuadir a maioria de seus compatriotas, atraindo-os para a causa. Mesmo considerando que, ao longo do tempo, a legalização conta com uma adesão crescente, há ainda 60% de opiniões contrárias, segundo as pesquisas. Os oponentes alegam três objeções. Em primeiro lugar, o efeito de um ganho inesperado: “A partir do momento em que se legaliza uma droga, as pessoas passam a consumi-la em maior quantidade”, afirma a deputada Verónica Alonzo. O argumento parece sensato; no entanto, os fatos o contradizem. Na Holanda, onde a venda da maconha nos coffee shops foi autorizada em 1976 (as autoridades renunciaram a uma legalização formal para não transgredir abertamente os tratados da ONU), os usuários representam apenas 5% da população, contra 6,3% nos Estados Unidos e 7% no conjunto da União Europeia.4 A imagem de uma corrida às farmácias uruguaias parece assim algo fantasioso.

A legalização da cocaína?

O segundo medo é que a legalização da Cannabis incite os usuários a recorrer a drogas pesadas, especialmente a pasta-base, um derivado da cocaína comparável ao crack que faz estragos nas camadas menos favorecidas da população uruguaia. É a teoria chamada da “porta aberta”: um vício menor leva necessariamente a um mais grave. Raquel Peyraube, especialista no tratamento de toxicômanos, não acredita nisso, nem por um segundo. Segundo ela, é justamente o contrário: a proibição é que, por meio do monopólio que confere aos traficantes, orienta os usuários de maconha na direção de produtos mais perigosos. “No supermercado, compramos coisas de que não precisamos porque nos mostram ou porque as tornam atraentes para nós”, explica. “Da mesma forma, os traficantes vão tentar empurrar cocaína e outras substâncias para seus clientes. A proibição faz a cama das drogas pesadas.” A análise foi confirmada por um estudo recente realizado pela Open Society Foundations, a rede de fundações criada pelo milionário George Soros: ela verificou que a Holanda apresenta os índices mais baixos de toxicômanos da Europa, precisamente por ter mantido as drogas pesadas afastadas da maconha.5

Raquel também rechaça a ideia segundo a qual a legalização provocaria uma elevação dos casos de esquizofrenia. Se houvesse uma ligação entre a maconha e a aparição da doença, afirma, as taxas de esquizofrênicos teriam explodido ao longo das últimas décadas, já que é incontestável que o consumo de maconha não parou de crescer em numerosos países ou permaneceu estável. Segundo a médica, é possível, em contrapartida, que os esquizofrênicos consumam essa droga com mais frequência do que a média em função de seu efeito relaxante, o que explicaria a correlação.

A essas críticas junta-se outra, mais séria, que não deixa de sensibilizar certos membros da administração uruguaia. A maconha não passa de uma mercadoria entre outras no mercado de drogas ilícitas. Certamente a legalização vai reduzir o mercado, mas conserva intacto o comércio dos produtos mais rentáveis. Para abalar de fato o poder dos cartéis, o coerente seria ir mais além e regulamentar o circuito de todas as drogas cuja demanda é elevada. Com certas drogas, como o ecstasy e a cocaína, seria o caso de regular a venda; com outras, como a heroína, seria, sem dúvida, mais recomendável uma distribuição sob prescrição médica, conforme sugerem as experiências-piloto realizadas na Suíça.

“Vai levar algum tempo”, reconhece Sebastián Sabini, o representante do MPP mais envolvido com a reforma. “Mas quando chegar o dia, quando for a hora das outras drogas, estaremos prontos para defender nossa causa perante a população.” Aquele que os observadores consideram como o futuro sucessor do chefe de Estado já se pronunciou como favorável à legalização da cocaína.

Existe ainda uma alternativa? Qual é a vantagem em teimar em perseguir aquilo que Huidobro chama de uma guerra “já perdida”? Esperando que os políticos de seu país decidam reagir, a mexicana Emma Veleta chora o desaparecimento de oito familiares, sequestrados por traficantes com a provável cumplicidade das autoridades locais.6Conforme observado por David Simon, o criador da série televisiva The Wire, os Estados Unidos poderiam muito bem ser tentados a conduzir sua luta contra a droga “até o último mexicano”.

Johann Hari

Jornalista

Ilustração: Lorenzo Gritti

1 Ler Jean-François Boyer, “Mexico recule devant les cartels” [México recua diante dos cartéis], Le Monde Diplomatique, jul. 2012.

2 No dia 14 de fevereiro de 1929, a máfia de South Side, comandada por Al Capone, armou uma emboscada contra a de North Side, sob o controle de Bugs Moran, e assassinou sete de seus membros.

3 Tom Fielding, The candy machine: how cocaine took over the world [A máquina de doces: como a cocaína dominou o mundo], Penguin, Londres, 2009.

4 “Dutch fear threat to liberalism in ‘soft drugs’ curbs” [Holandeses temem ameaça ao liberalismo em freios às “drogas leves”], Reuters, 10 out. 2011.

5 “Coffee shops and compromise: separated illicit drug markets in the Netherlands” [Coffee shops e compromisso: mercados de drogas ilícitas separados na Holanda], Open Society Foundations, Nova York, jul. 2013. Disponível em: .

6 “La pesadilla de perder a toda su familia en Chihuahua” [O pesadelo de perder toda a família em Chihuahua], 28 maio 2012. Disponível em: .

7 David Simon, “A fight to the last Mexican” [Uma luta até o último mexicano], 10 jul. 2012. Disponível em: .

03 de Fevereiro de 2014
Palavras chave: DrogasMaconhaAmérica LatinaUruguaiviolênciatráficoliberalismoHolanda,mercadofinançascartéisHolandapsicotrópicosMéxicoautoridadepolíciaCannabis

Perene e sólido: passado

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Não há o que seja perene, estável e sólido na atualidade. Chega a ser insólito quando alguém diz pretender algo “para o resto da vida”. Vivemos em interrupções e movimentos constantes, e no mais das vezes não nos damos conta disso, porque as rotinas nos engolem. Cada vez menos descobrimos nesgas de tempo para ler, namorar, assistirmos a um filme ou, simplesmente, refletir. Parecemos presos a um processo que nos deglute, nos elimina e nos recicla diariamente, de modo impessoal e sem um rosto definido. Não nos reconhecemos no outro e vivemos em uma situação de descarte permanente, seja dos bens que adquirimos para cunharmos identidades tão vãs quanto uma passagem de estação, seja das relações tíbias que construímos com base em interesses menores.  Nossos umbigos nos guiam, pois fomos miseravelmente induzidos à apatia do pensamento e à ação sem matutarmos, sem elaborarmos razões, sentidos e porquês. Somos lesados a partir das nossas ignorâncias, medos, tristezas e pensamos que a ausência de afeto e de presença física pode ser suprida com consumismo alienante, culpas infundadas e um sentido irracional de urgência.
Confundimos liberdade com escolhas, com conveniências. Liberdade é não precisarmos escolher em um mundo consumista, é nos sabermos conscientes de que podemos até ser excluídos por grupos de interesse, mas exercermos o direito de não optarmos pelo fácil, pelo efêmero, pela conversinha ranzinza e depreciativa que tantas vezes nos envolve, é nos alhearmos um pouco dos sentidos e dos sentimentos mesquinhos, das coisinhas medíocres do dia-a-dia. Liberdade é o não-alinhamento compulsivo, compulsório junto à massa pasteurizada com a qual temos de forçosamente conviver, seja no trabalho, seja em algum movimento político ou religioso. Mais: é perguntarmos ao outro porque ele quer saber algo, é não estarmos na conformidade, mesmo sabendo que estamos criando em nosso entorno um sentido de estranhamento.
Somos considerados estranhos, exógenos quando não seguimos padrões estruturados e dados como normalizados; quando as nossas respostas (e especialmente as nossas perguntas) não são as esperadas e fazemos questão de afirmar por gestos, por palavras e por atitudes que somos inteligentes e dotados de emoção e em razão disso nos negarmos a seguir o caminho que antecipadamente nos traçaram, preferindo conhecer outras estradas. Somos estrangeiros dentro de uma mesma língua quando sabemos mais palavras que a média, quando perguntamos o que a média custa ou não quer responder, ou quando calamos no momento em que a maioria aplaude por mera conveniência. Somos estrangeiros dentro de um comportamento quando terceiros esperam que façamos algo e não o fazemos porque duvidamos intimamente que seja o melhor a fazer. E por fim somos estrangeiros quando nos arriscamos onde a maioria prefere o conforto. Isso não significa que somos livres, mas que refletimos onde os outros não o fazem, ou porque cansaram de pensar ou porque tem interesses menores a zelar com a proficiência de um apóstolo.
O sólido se desmancha no ar, como disse Kundera, mas ainda encontramos por aí muitas construções barrocas e dentro delas imagens de uma época que igualmente se desvanece. O desespero que se segue é enorme, porque o sólido implica em um planejamento em longo prazo, demanda renúncias pessoais, adia os momentos aprazíveis, aguardados muitas vezes por um tempo maior do que seria possível suportar. Em seu lugar surge a insegurança, o imediato, o que não deixa rastros, o que se isola em sua individualidade. Desaparecem os guerreiros porque não há mais lutas, somem os ideólogos porque os pensamentos são vistos como algo informe e incômodo, não há mais perenidade porque o efêmero nos acorda no dia-a-dia, nos fogs dos noticiários e na indiferença blasé em relação a tudo e a todos.
Enquanto isso o homo faber nos persegue, sitia, e emula, erguendo seu panóptico a cercar-nos, a manipular-nos, a dizer a todo o momento que as nossas possíveis inconveniências podem ser punidas, registradas, analisadas, discutidas, resumidas em um livro ata, em uma ocorrência, em uma manifestação de repúdio comandada pela ampulheta e que os nossos sentidos e sentimentos são um nada diante do que se avizinha. As capas da conveniência se abrem e talvez somente aí possamos perscrutar, mesmo que minimamente, os dentes da fera que vai nos morder. Constatamos tristemente que nossos esforços de maior socialização restaram frustrados e que, afinal, amealhamos poucos apoios em relação ao que buscávamos. O sólido se desmancha no ar e a nossa tentativa de buscarmos um pouco de historicidade se perdeu em um tempo pontilhista no qual não há links possíveis ante uma tela que se projeta infinitamente sobre si mesma.
Somos humanos, mas, claro!, alguns são mais humanitários, solidários que outros, se importam mais, pretendem que os relacionamentos possam substituir o temperamento do aço, a psicologia do tijolo, a atenção da hulha. E aí se constata que não adianta dizer ao homo faber: “Olha, escuta, isso tudo não existe mais, você faz parte de um mundo que se esboroa, você é o passado e, deste, o pior, o incompreensivo e o opressor operador de máquina”. Mas isso não adiantará em nada, pois a burguesia da revolução francesa pensava com os mesmos parâmetros que o campesino sem capital da idade média. O homo faber irá se desconstituir na medida em que seus sensores o avisarem de que está em plena marcha a sua obsolescência e somente aí ele desistirá de morder, de plantar seus dentes em nossas gargantas. Talvez essa seja nossa recompensa maior e talvez a única: sabermos que temos consciência do lugar, do espaço e do tempo em que vivemos. Se nosso pensar não nos isenta, pelo menos nossa ignorância não nos embala e põe a dormir. Ser inconveniente, afinal, pode ser muito gratificante.

A crise dos mercados (2008)

Um comentário de quem não é economista, não trabalha no mercado financeiro, não é banqueiro (embora já tenha sido bancário em priscas eras) e menos ainda empresário, a respeito da atual crise mundial de crédito, denominada genericamente de crise dos mercados. Não há outro assunto que ocupe tantos espaços na mídia. Os que ainda não sofreram irão purgar as conseqüências terríveis e virulentas da crise dos mercados, que irão se abater como as sete pragas que contaminaram o Egito. Ainda não se identificou quem faz o papel de Moisés, se a Coca-Cola, a Pepsico, a Monsanto, a Warner, a CNN, a Phillips, a Sony, a TNT, a city de Londres, a Exxon, La Maison Vuiton, a indústria automobilística, o Vale do Silício, a Microsoft, o Carrefour, a American Express, a General Electric, os bancos comerciais, a Apple, a indústria bélica, a máfia, as bolsas asiáticas, os países europeus, o euro, o dólar, a Rua do Muro de Nova Iorque, as transferências e as deslocalizações financeiro-monetárias, os clubes de futebol que funcionam como transnacionais, o Mc Donalds, a Disney, a Mottorola, a Vale, a rede mundial de computadores, o Mastercard ou o Visa, et caterva, ou uma ampla e etérea união de capitais que congrega todos esses entes aos quais nos curvamos e batemos palmas, submissos no papel de consumidores. Mas, sem dúvida, no papel de egípcios estaremos todos nós, de modo indistinto.

Botando os pingos nos iis: os mercados são o resultado visível e concreto das operações efetivadas por megacorporações que dominam a mercancia mundial e que detém poder suficiente para submeter as economias e portanto as políticas da maioria dos países. Para termos uma idéia da concentração e da força econômica de tais empresas, vamos citar, apenas de passagem, a Monsanto.

  • “Em 2005, dez empresas controlavam a metade do mercado mundial de sementes. Apesar de inundados de notícias sobre fusões de empresas mostrando que há cada vez menos empresas controlando maiores percentuais de mercado em todas as áreas, sementes não são a mesma coisa que televisores, automóveis ou cosméticos. São a chave de toda a cadeia alimentar no mundo e o coração da vida camponesa e da agricultura. A quarta parte da população mundial, os camponeses e camponesas do mundo, guardam suas próprias sementes para cultivar a comida de muitos mais.

    Em 2003, as 10 maiores controlavam um terço do mercado mundial. Hoje chegaram a 49 por cento do valor global das vendas desse insumo, segundo o informe Concentração da Indústria Global de Sementes – 2005, do Grupo ETC. Agora a Monsanto é a maior empresa de venda de sementes comerciais, além de já ter o monopólio virtual na venda de sementes transgênicas (88 por cento em nível global). Na última década, a Monsanto engoliu, entre outras empresas, a Advanta Canola Seeds, a Calgene, a Agracetus, a Holden, a Monsoy, a Agroceres, a Asgrow (soja e milho), a Dekalb Genetics e a divisão internacional de sementes da Cargill. Suas vendas de sementes, no último ano, alcançaram mais de 2,8 bilhões de dólares. A Monsanto e a Dupont têm sede nos Estados Unidos.

    Em relação à área global cultivada, as sementes transgênicas da Monsanto cobriram 91 por cento da soja, 97 por cento do milho, 63,5 por cento do algodão e 59 por cento da canola. Em nível global (somando cultivos convencionais e transgênicos), a Monsanto domina 41 por cento do milho e 25 por cento da soja. A aquisição da Seminis permitiu à Monsanto alcançar a distribuição de 3.500 variedades de sementes a produtores de frutas e hortaliças em 150 países. Em setores onde a Monsanto era invisível, agora controla 34 por cento das pimentas, 31 por cento dos feijões, 38 por cento dos pepinos, 29 por cento dos pimentões, 23 por cento dos tomates e 25 por cento das cebolas, além de outras hortaliças. Silvia Ribeiro,pesquisadora do Grupo ETC http://www.etcgroup.org em http://alainet.org/active/10410&lang=es

A partir da década de 70 e capitaneados pela Escola de Chicago, tendo como guru Milton Friedman, os arautos do neoliberalismo implementaram uma nova ordem mundial, com o aporte ideológico e financeiro dos mesmos países que trouxeram a si os papéis de protagonistas em Bretton Woods: Estados Unidos e Inglaterra. A Escola de Chicago contrapunha-se ao keynesianismo, segundo o qual “a mão invisível do mercado” absolutamente não garantia nenhuma estabilidade reguladora na economia mundial, além de não ser eficiente no combate às crises e menos ainda dava qualquer segurança ao que se convencionou chamar de welfare state (estado de bem-estar social), ideologia política que propugnava por políticas sociais garantidoras dos direitos dos cidadãos. Para Keynes o Estado deveria intervir sempre que necessário para garantir uma economia saudável e socialmente compatível com sua própria função.

Os governos Reagan e Tatcher empunharam firmemente a bandeira do neoliberalismo que propunha a “diminuição do estado”, processo que foi acelerado especialmente a partir da década de setenta (século XX) com a crise mundial do petróleo. O neoliberalismo elencava como agenda a privatização de empresas estatais geradoras de lucro (muitas vezes em atividades sensíveis ou estratégicas), um trânsito mais liberado de encargos em relação ao fluxo internacional de capitais, especulativos ou não, a desregulamentação das leis trabalhistas, como meio de forçar o desmonte dos sindicatos, corroer os salários e forçar ajustes mais benéficos ao capital, a queda tarifária e tributária, como meio de desoneração das empresas, e o incentivo à guerra fiscal, pelo qual os estados deveriam ser selecionados para as atividades produtivas na proporção inversa dos tributos a serem pagos pelas empresas, além de outros critérios econômicos e políticos.

Por outro lado, o neoliberalismo foi beneficiado, igualmente, com um denso aporte tecnológico, em especial representado pelo desenvolvimento exponencial da informática e dos sistemas de telecomunicações. Não há praticamente um lugar de interesse ao mundo econômico que não seja rastreado via satélite e as informações nos chegam a todo momento dos mais diversos cantos do mundo. As mega-empresas, assim, podem usar todo um processo de deslocalização e transferir seus capitais a um toque no computador ou a um telefonema, visto que todos os sistemas econômico-financeiros são informatizados, a exemplo das redes bancárias, para usarmos um exemplo mais comum. Da mesma forma como operamos em caixas eletrônicos o fazem as grandes corporações. Só que o celular nunca está temporariamente desligado ou fora de área.

A atual crise dos mercados é uma crise de crédito. Emprestou-se dinheiro a quem não podia pagar. Depois venderam-se os títulos que não seriam pagos, e que foram comprados. Por outro lado, especulou-se na bolsa sem um lastro de liquidez possível.  Dito assim parece ser simples. Na verdade é. Quando você vai viajar de carro, deve fazer uma revisão no veículo antes da viagem. Se ele tiver algum problema, resolva-o e só depois pegue a estrada.  Simples assim. No caso o véículo teve problemas longe de tudo, mas o proprietário já sabia que iria dar problemas. Daí se conclui que, como não estamos lidando com amadores, muitos devem estar lucrando, mas, sem dúvidas, muitos mais estão pagando esses lucros adicionais.

Embora haja um razoável esforço midiático para aproximar metaforicamente mercados e pessoas comuns através da linguagem, não podemos nos enganar com expressões como “mercados nervosos”, “os mercados estão estressados”, “os mercados estão flutuando”, os “humores do mercado” ou qualquer outra preciosidade semelhante: se há algo que é absolutamente inumano são os mercados. Aos mercados só interessa o lucro, especialmente dentro de uma ideologia neo-liberal.  Portanto não tenhamos ilusões. Capitais tem de vir de alguma parte; de onde eles venham, serão acolhidos. Continuaremos.

Cidades

Cidades

Leonel Moura

A cidade é a referência maior da cultura humana. Se nos tempos antigos possibilitou a concentração de saberes, nomeadamente na biblioteca esse grande objecto urbano, ou o nascimento da democracia com a política a derivar directamente da polis, a partir dos séculos XIX e XX ela surge já como entidade destacada do resto, simultaneamente produtora e produção de um novo humanismo e centro de todas as expectativas sociais e culturais.

Esse resto, o campo, cuja última configuração política se reconhece no feudalismo, afirma-se gradualmente como território de reserva moral e reaccionária contra as cidades. Mesmo a ideia de revolta social, que reconhecemos ainda nas sucessivas rebeliões camponesas medievais, dá lugar à revolução urbana estabelecida ao longo dos séculos XVIII e XIX e de que a Comuna de Paris (1871) será o grande modelo insurreccional.

“A Comuna não teve chefes. E isto num período histórico em que a ideia de que era preciso tê-los dominava o movimento operário. Assim se explicam os seus fracassos e os seus sucessos paradoxais. Os responsáveis oficiais da Comuna são incompetentes (se tomarmos como referência o nível de Marx ou Lenine, e mesmo Blanqui). Mas ao invés os actos irresponsáveis desse momento são precisamente a reivindicar pelo movimento revolucionário do nosso tempo” (Internationale Situationniste).

A insurreição é um conceito baseado na auto-organização de um conjunto de indivíduos autónomos, agindo sobre um ambiente estimulado. Só a cidade configura esse ambiente estimulado.

A própria figura do revolucionário, vestido para a urbe e acompanhado obrigatoriamente de livros e jornais, esses grandes produtos citadinos, define um protagonista singular dedicado inteiramente à stigmergia. O revolucionário, seja ele, social, cultural ou científico, deposita a sua rebeldia, as feromonas, na cidade, único lugar onde existe suficiente gente disponível para o jogo da imitação e da mudança. “O movimento e o barulho das ruas, as montras das lojas, a agitação frenética e impulsiva das existências, criam um efeito magnetizador. Ora, a vida urbana, não é a vida social concentrada e levada ao extremo?” (Gabriel Tarde, 1890)

De todas as definições possíveis de cidade, e são muitas, a mais simples, maior concentração e quantidade de pessoas, é também a que melhor descreve a condição mínima para que o novo se possa produzir. Sem essa condição, a evolução não é possível. As revoluções camponesas, a russa e a chinesa, fracassam por falta de massa crítica urbana. As vanguardas saem completamente derrotadas do embate com o conservadorismo aldeão. Maiakovsky, Malevitch e o construtivismo russo, não podem ser compreendidos por um poder soviético pretensamente revolucionário, mas de facto, economicamente rural, socialmente patriarcal e culturalmente burguês.

Frantz Fanon, o impulsionador da luta anticolonial e um dos poucos pensadores modernos a desenvolver uma teoria da violência na sua vontade de desencadear a guerra contra o colonialismo, esbarra com a condição dos colonizados que Sartre tão bem caracteriza ao dizer que “a Terra conta neste momento com dois biliões de habitantes. Quinhentos milhões de homens e bilião e meio de indígenas” (Sartre, 1961).

Sem cidades, sem uma cultura urbana, Fanon imagina que a violência, por si só, é capaz de “desintoxicar” as massas aldeãs do terceiro mundo, libertando-as “do complexo de inferioridade, das suas atitudes contemplativas ou desesperadas”. “A violência como prática é totalizante, nacional” e por isso conduz à “liquidação do regionalismo e tribalismo” (Fanon, 1961). A instauração de regimes ditatoriais, fantoches e tribalistas, logo após as guerras de libertação a que por morte precoce não pode assistir, demonstra que não é assim. A violência primitiva arrasta consigo o próprio primitivismo. Só a cultura urbana é capaz de gerar uma violência crítica capaz de fazer frente à violência sistémica do capitalismo.

A partir da década de 60, Henri Lefebvre e os situacionistas mostram que a cidade não é só uma máquina infernal da reprodução capitalista, mas também o lugar da vida quotidiana e que, portanto, o conflito é inevitável. Em Maio de 68 a tese é comprovada. Mas após estes eventos, por acção combinada da política conservadora, das polícias e dos urbanistas, a cidade desaparece do centro do debate crítico. Durante duas décadas ela torna-se um problema exclusivo do planeamento e das políticas municipais. Com um resultado à vista. Desaparecimento do espaço público através de uma privatização extensiva; uniformização das centralidades que agora só têm a valência comercial; degradação dos serviços públicos, em particular os de transporte; aumento da miséria e da exclusão.

Também a criminalidade cresceu entretanto bastante. Ainda que se deva distinguir dois tipos. A dos pobres, espontânea e irrisória, brutalmente reprimida pelas polícias e pelo sistema judicial. A económica, organizada e com elevadíssimos rendimentos, com ramificações por vezes muito profundas na administração pública e no mundo empresarial, e por isso totalmente impune.

Assim, aquilo que conhecíamos como cidade, grande concentração de pessoas e sinergias, foi desaparecendo ao mesmo tempo que vastas áreas circundantes cresceram desmesuradamente acumulando gente, miséria e conflitualidade. A mesma pressão económica/capitalista que ontem obrigou as populações a tornarem-se urbanas, expulsa-as agora das cidades radiosas para os subúrbios decadentes. Os velhos modelos definidores dos espaços, as velhas separações entre cidade e campo, centro e periferia, perderam qualquer eficácia para a análise das realidades. Até porque mais coisas foram acontecendo, três delas com grande impacto sobre a vida urbana. A agricultura transformou-se numa indústria, a economia e a informação tornaram-se globais e surgiram, um pouco por todo o planeta, as mega-urbes.

A distinção entre cidade e campo não tinha só a ver com uma separação entre espaço edificado, espaço cultivado e espaço natural, sendo que à cidade correspondia o primeiro, à agricultura o segundo e à chamada natureza selvagem o último. O campo era definido como uma actividade humana ancestral, constituindo o chamado mundo rural ou cultura rural por oposto à cultura urbana, mais actualizada e dinâmica.

A transformação da agricultura numa indústria representou uma nova forma de ocupação do espaço, com crescente automação, mas acima de tudo, alterou radicalmente a condição sociológica dos camponeses. Aquele homem rude, iletrado, imerso nas rotinas da terra, tem vindo a ser substituído pelo engenheiro e pelo economista, ao serviço de grandes empresas. E se alguns resistem, a vasta maioria desloca-se para o inferno suburbano. Em 1999 só 22% da população sul-americana vive fora dos centros urbanos, na Europa Ocidental esse número é de 18%. A China que mantém ainda valores de cerca de 70%, segundo dados de 1996, deverá reduzir essa proporção para metade em 2020. O mesmo acontecendo na Índia que deslocará 250 milhões de pessoas do campo para as cidades nos próximos 20 anos. Facto marcante pelo peso destes dois países na população global.

Uma tal concentração não significa contudo uma revalorização do urbano, essencialmente criativo e inovador, mas antes uma espécie de ruralização e precarização das vidas amontoadas nos cada vez mais extensos e impressionantes subúrbios.

Contrariando também o mito techno-optimista da pretensa aldeia global, já que aldeia faz supor uma coesão, comunitária, que de todo não existe, a introdução das novas tecnologias não operou nenhuma modificação significativa ao nível dos comportamentos culturais e sociais. Sendo certo que hoje circula uma enorme quantidade de informação, na verdade, todas estas mensagens dizem praticamente uma mesma e única coisa. Reforço das hierarquias, normalização das condutas, trivialização dos saberes.

A sociedade da informação, as comunicações via satélite e a Internet, criaram um mapa (dinâmico) por cima da geografia política convencional, mas não foram, até ao momento, capazes de dar lugar a uma nova sociabilidade. Nem sequer tiveram qualquer efeito sobre a configuração territorial. O muito citado trabalho online, feito a partir de uma casa que tanto pode estar na Avenue Foch em Paris, como num lugarejo nas encostas do Himalaia, não deu origem a nenhuma redistribuição mais equilibrada da população. Ao invés, assistimos a um novo tipo de convergência para as urbes empresarial/tecnológicas, de que Silicon Valley se mantém como o mais conhecido modelo.

As mega-urbes levantam todo um novo tipo de questões. A própria designação é controversa, já que numa lógica aritmética não podemos só falar de mega-cidades, classificação corrente para urbes com mais de dez milhões de habitantes, mas de grandes e mega-metrópoles. A divisão territorial administrativa da cidade deixou de fazer sentido. Não só o local e o global estão interligados, como não é possível pensar o local, sem pensar também nos fluxos e nas interacções de toda a espécie. No curto espaço de uma década, o próprio enunciado foi crescendo, mudando exponencialmente de escala. Das cidades começou a falar-se de grande cidade, depois, áreas metropolitanas, a que se sucedeu as mega-cidades, e hoje, as mega-metrópoles. Na zona sul da China, que engloba, entre outras, as cidades de Zhuhai, Guangzhou e Hong Kong vivem mais de 50 milhões de pessoas.

A vastidão de tais amontoados populacionais desfaz qualquer noção de cidade como unicidade.

Há por fim que repensar o espaço natural. Se a cidade não existe e o campo é agora um parque industrial, o que aconteceu à natureza?

Nos chamados parques naturais e zonas protegidas, os animais ditos selvagens são perseguidos, através do GPS, por investigadores que lhes colocaram previamente coleiras e outros dispositivos emissores de ondas. De dia, à noite, a caçar ou em acto reprodutivo estes verdadeiros cyborgs não têm descanso. A cultura humana, sempre perversa, diz que pretende protegê-los. De quem? Do homem? Existe algum ponto da terra que não tenha já sido palmilhado, cartografado, manipulado, invadido ou investido? Existe algum ser vivo que não se encontre registado, catalogado, domesticado, maltratado? Se existir, equipas de jovens cientistas e bandos de caçadores furtivos andam à procura deles e não tardarão a encontrá-los.

O planeta é agora uma única e vasta urbe. Nuns locais concentram-se muitos humanos e edificações, noutros indústrias de toda a espécie e noutros ainda parques temáticos de tipo ecológico. A urbanização é global. O que explica a crescente necessidade de dar nome, de produzir significados, tarefa a que a arquitectura, mais do que qualquer outra forma de expressão cultural, tem procurado dar resposta. Como afirma Manuel Castells “a produção de significado nestas constelações urbanas sem nome relaciona-se com a emergência de uma nova monumentalidade e novas formas de centralidade simbólica capazes de identificar os lugares” (Castells, 2002). As urbes descomunais, de tal forma territorialmente extensas que inviabilizam qualquer percepção global, criam elevadíssimos picos de feromona simbólica para se tornarem visíveis. Atraindo assim tentaculares trilhos humanos na sua direcção e portanto crescendo ainda mais. O mundo pode assim ser visto como um campo de picos de feromona.

Modelo que explica ainda um outro efeito determinante. Quem se encontra no alto de um pico vê à sua volta uma paisagem acidentada e diversificada. Mas aqueles que estão em baixo, nos vales fundos ou nas planícies estéreis, não têm qualquer ponto de referência, não lhes chega o mais leve odor civilizacional. Vegetam no mais profundo abandono e miséria.

Texto retirado do livro Formigas, Vagabundos e Anarquia (Lisboa, AAAL, 2003)

03-06-2003

A arte de reduzir as mentes

LMD, outubro 2003

CULTURA

A arte de reduzir as mentes

A força da ideologia neoliberal decorre do fato de não começar visando ao homem. Ela cria um novo estatuto do objeto, definido como simples mercadoria, esperando que os homens se transformem ao se adaptarem à mercadoria, apregoada como a única coisa real

Dany-Robert Dufour

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O capitalismo, que produz e devora muito, é “antropofágico”: também “come” o homem. Mas o que consome exatamente? Os corpos? Estes são usados há muito tempo e a antiga noção de “corpos produtivos” é uma prova disso 1. A grande novidade é hoje a redução das mentes. Como se o pleno desenvolvimento da razão instrumental (a técnica), inerente ao capitalismo, resultasse num déficit da razão pura (a faculdade de julgar a priori o que é verdadeiro ou falso, e até o que é o bem ou o mal). É precisamente este traço que me parece caracterizar como propriedade específica a virada chamada de “pós-moderno”: o momento em que o capitalismo, depois de ter subjugado tudo, dedicou-se à “redução das cabeças”.(…) A hipótese é, em suma, simples mas radical: nós assistimos, no presente, à destruição do duplo sujeito que teve origem na modernidade, o sujeito crítico (kantiano) e o sujeito neurótico (freudiano) – a que se deve acrescentar o sujeito marxiano – e vemos instalar-se um novo sujeito, um sujeito “pós-moderno”, a ser definido.

O processo de quebra simultânea do sujeito moderno e de fabricação provável de um novo sujeito é extremamente rápido. O sujeito crítico kantiano, que surgiu perto dos anos 1800, e o sujeito neurótico de Freud, nascido próximo dos anos 1900 – os quais, por sua idade respeitável, pareciam afastados de qualquer execução sumária – estão em vias de desaparecer diante de nós com uma rapidez espantosa. Esses sujeitos filosóficos eram pensados como protegidos das vicissitudes da história, bem instalados em uma posição transcendental e constituindo incansáveis sujeitos de referência para pensar nosso ser-no-mundo e, na verdade, muitos pensadores continuam espontaneamente a refletir com essas formas, como se fossem eternas. Ora, esses sujeitos perdem, pouco a pouco, sua evidência. A potência da forma filosófica que os constituía parece evaporar-se na história. Tornam-se fluidos. É difícil acreditar que formas tão analisadas, tão elaboradas, tão experimentadas possam desaparecer em tão pouco tempo. Entretanto, nunca se deveria esquecer que civilizações milenares podem se extinguir em alguns lustros.

Para se ater a acontecimentos recentes, é necessário lembrar que se viram tribos indígenas da floresta amazônica, que tinham atravessado os séculos e os ambientes mais hostis protegidos por práticas simbólicas solidamente arraigadas, perecerem em algumas semanas, incapazes de resistir aos choques violentos de uma outra forma de troca – a troca comercia l2.

A dessimbolização do mundo

Essa morte programada do sujeito da modernidade não me parece estranha à mutação que se observa, há uns bons vinte anos, no capitalismo. O neoliberalismo – para chamar esse novo estado do capitalismo por seu nome – atualmente está ocupado em desfazer todas as formas de trocas que prevaleciam, substituindo-as por um referencial que avalize o absoluto ou metassocial das trocas. Para ser rápido e ir ao ponto e no essencial, poderia-se dizer que seria necessário o ouro como referência para garantir as trocas monetárias, assim como seria necessária uma garantia simbólica (a Razão, por exemplo) para permitir os discursos filosóficos. Ora, deixa-se, a partir de agora, de se referir a qualquer valor transcendental para se dedicar às trocas. As trocas não valem mais enquanto garantidas por uma potência superior (de ordem transcendental ou moral), mas, sim, pelo que colocam diretamente em relação enquanto mercadorias. Em uma palavra, a troca comercial, hoje, des-simboliza o mundo. (…)

Toda figura transcendente que venha a fundar o valor será, a partir de agora, recusada; só existem mercadorias que são trocadas por seu estrito valor de mercado. Hoje, pede-se aos homens que se livrem de todas as sobrecargas simbólicas que garantiam suas trocas. O valor simbólico é assim desmantelado em proveito do simples e neutro valor monetário da mercadoria, de modo que nenhuma outra coisa, nenhuma consideração (moral, tradicional, transcendente, transcendental…), possa constituir um obstáculo à sua livre circulação. Disso resulta uma des-simbolização do mundo. Os homens não devem mais se conciliar com os valores simbólicos transcendentes, eles devem, simplesmente, se submeter ao jogo da circulação infinita e ampliada da mercadoria.

Se o que afirma Marcel Gauchet for verdadeiro – “a esfera de aplicação do modelo [de mercado] está destinada a se estender muito além do domínio da troca comercia l3” -, então haverá um preço a pagar por essa extensão: a alteração da função simbólica.(…).

Adaptando o indivíduo à mercadoria

Essa mudança radical no jogo das trocas leva a uma verdadeira mutação antropológica. A partir do momento em que qualquer garantia simbólica das trocas entre os homens é liquidada, é a própria condição humana que muda. Nosso ser-no-mundo não pode mais ser o mesmo a partir do momento em que o que se empenha de uma vida humana deixa de depender da busca da conciliação com esses valores simbólicos transcendentais desempenhando o papel de fiadores, mas fica vinculado à capacidade de se adaptar aos fluxos sempre instáveis da circulação da mercadoria. Em uma palavra, não é mais o mesmo sujeito que se exige aqui e ali.

Começamos, dessa forma, a descobrir que o neoliberalismo – como todas as ideologias anteriores que irromperam ao longo do século XX (o comunismo, o nazismo…) – não quer outra coisa senão a fabricação de um homem novo. Mas a grande força dessa nova ideologia em relação às anteriores decorre do fato de não ter começado visando ao homem diretamente, por meio de programas de reeducação e de coerção. Ela se contentou com introduzir um novo estatuto do objeto, definido como simples mercadoria, esperando que o resto viesse na seqüência: que os homens se transformassem no momento de sua adaptação à mercadoria, promovida desde então como a única coisa real 4. O novo adestramento do indivíduo efetua-se, pois, em nome de um “real” que é melhor acatar com resignação do que se opor: ele deve parecer sempre agradável, querido, desejado como se se tratasse de entertainments (televisão, publicidade…). Ainda não se analisou bem a incrível violência que se dissimula atrás dessas novas fachadas soft.(…)

O sujeito “esquizóide” da pós-modernidade

Deve-se notar que, em “fábrica de um novo sujeito”, entendo “sujeito” no sentido filosófico do termo: não falo do indivíduo no sentido sociológico, empírico ou mundano do termo, falo da forma sujeito ideal em via de se construir. Primeiramente, faço referência à forma sujeito que se construiu por volta dos anos 1800 com o aparecimento do sujeito crítico kantiano. O empirismo de Hume e seu ceticismo contra a racionalidade da metafísica clássica abalaram Kant, como se sabe, a tal ponto, que este bruscamente “despertou de (seu famoso) sono dogmático” e se viu forçado a refundar uma nova metafísica, crítica, definida nos limites da simples razão, livre do dogmatismo da transcendência e, entretanto, nada cedendo ao ceticismo empirista. Assim nascia a filosofia kantiana: baseada nos progressos da física desde Galileu e Newton, ela se constituiu sobre uma síntese magistral da experiência e do entendimento. A virada kantiana terá sido necessária para estabelecer que o pensamento necessitava tanto da intuição quanto do conceito. Na realidade, para Kant, a intuição sem conceito é cega, mas o conceito sem intuição é vazio.

(…)

O que ainda poderá valer esse sujeito crítico a partir do momento em que se trata apenas de vender e de comprar mercadoria? Para Kant, nem tudo é vendável: “Tudo tem um preço, ou uma dignidade. Pode-se substituir o que tem um preço por seu equivalente; em contrapartida, o que não tem preço, portanto não tem equivalente, é o que possui uma dignidade 5”. Isto pode ser dito de modo mais claro: a dignidade não pode ser substituída, “não tem preço” e “não tem equivalente”, refere-se apenas à autonomia da vontade e se opõe a tudo o que tem um preço. É por isso que o sujeito crítico não convém à troca comercial, e é exatamente o contrário que se exige na venda, no marketing e na promoção (deliberadamente mentirosa) da mercadoria. (…)

Portanto, nesses tempos neoliberais, o sujeito kantiano vai mal. Mas isto não é tudo, o outro sujeito da modernidade, o sujeito freudiano, não está em melhor situação. A neurose, com suas fixações compulsivas e suas tendências à repetição, não é a melhor garantia para a flexibilidade necessária às múltiplas conexões nos fluxos comerciais. A figura do esquizofrênico atualizada por Deleuze na década de 1970, com as polaridades múltiplas e invertíveis de suas máquinas que manifestam desejo, é, sob esse aspecto, muito mais competitiva 6.

(…) Tudo acontece hoje como se o novo capitalismo tivesse entendido a lição deleuziana. De fato, é necessário que os fluxos circulem, e circularão ainda melhor se o velho sujeito freudiano, com suas neuroses e suas frustrações nas identificações que não param de se cristalizar em formas rígidas anti-produtivas, for substituído por um ser aberto a todas as conexões. Em suma, levanto a hipótese de que esse novo estado do capitalismo é o melhor produtor do sujeito “esquizoide”, o da pós-modernidade.

Uma aventura rumo à loucura

Na dessimbolização que vivemos atualmente, o que convém não é mais o sujeito crítico antecipando uma deliberação conduzida em nome do imperativo moral da liberdade, nem tampouco o sujeito neurótico tomado de uma culpabilidade compulsiva; o que se exige agora é um sujeito precário, acrítico e psicotizante, um sujeito aberto a todas as conexões comerciais e a todas as flutuações identitárias.

É evidente que, apesar disso, os indivíduos não se tornaram todos psicóticos.

(…) De modo geral, por toda parte onde há instituições ainda vivas, isto é, onde nem tudo esteja ainda completamente desregulamentado, ou seja, esvaziado de toda substância, existe resistência a essa forma dominante. Afirmar que uma nova forma sujeito está em vias de se impor na aventura humana não significa, pois, dizer que todos os indivíduos irão sucumbir facilmente a ela. Não digo, portanto, que todos os indivíduos irão enlouquecer, digo simplesmente que, afirmando essa forma sujeito ideal, fazem-se grandes esforços para que eles se tornem loucos. Em especial mergulhando-os num “mundo sem limite 7” que incentive a multiplicação de passagens à ação psicotizantes e sua instalação num estado borderline.

Como Foucault profetizara há vinte anos, o mundo tornou-se, pois, deleuziano. (…) Deleuze queria simplesmente ultrapassar o capitalismo desterritorializando mais depressa que este, mas tudo indica, hoje, que ele subestimou a fabulosa velocidade de absorção do capitalismo e sua fantástica capacidade de recuperação da crítica mais radical 8. O que coloca mais uma vez na ordem do dia o ditado segundo o qual os sonhos políticos do filósofo freqüentemente se realizam como pesadelos.

Construindo impérios de papel

A essa morte programada do sujeito crítico kantiano e do sujeito neurótico freudiano, convém acrescentar um terceiro atestado de óbito, o do sujeito marxiano. Realmente, na economia neoliberal, o trabalho não é mais a base da produção do valor. O capital não é mais essencialmente constituído pela mais-valia (Mehrwert, em Marx) originada da superprodução apropriada no processo de exploração do proletário. O capital aposta cada vez mais nas atividades de alto valor agregado (pesquisa, engenharia genética, Internet, informação, mídia…), em que a parte do trabalho assalariado pouco ou medianamente qualificado é, às vezes, extremamente pequena.

Mas, principalmente, o capital agora faz intervir fundo a gestão das finanças em movimentos especulativos de grande amplitude. A parte da economia “real”, por exemplo, diminui proporcionalmente à financeirização da economia que se desenvolveu de maneira considerável nos últimos 25 anos, a partir do desenvolvimento dos novos mecanismos financeiros e instrumentos de gestão do capitalismo (…). Aparece, desta maneira, como um epifenômeno conquistador vindo se enxertar sobre a economia real, uma economia virtual que consiste, essencialmente, em criar muito dinheiro com quase nada, vendendo muito caro o que ainda não existe, o que já não existe ou o que pura e simplesmente não existe, correndo o risco de criar impérios de papel prontos a desabar de modo brutal (cf. os escândalos Enron, WorldCom, Tyco…).

(…)

A reestruturação das mentes

Sob uma aparência bonachona e democrática, uma nova ideologia, provavelmente tão virulenta quanto as terríveis ideologias que surgiram no Ocidente no século XX, está se instalando. Na verdade, não é impossível que, após o inferno do nazismo e o terror do comunismo, uma nova catástrofe histórica se manifeste. É o caso de perguntar se não se saiu de umas para cair mais facilmente em outra. Porque o ultraliberalismo, como as duas ideologias acima citadas, quer igualmente fabricar um homem novo.

(…)

Entramos, pois, em um tempo novo: o do capitalismo total que não se interessa mais só pelos bens e por sua capitalização, que não se contenta mais com um controle social dos corpos, mas visa também, sob a aparência de liberdade, a uma profunda reestruturação das mentes. Tudo, de fato, deve agora entrar no mundo da mercadoria, todas as regiões e todas as atividades do mundo, inclusive os mecanismos de subjetivação. É por isso que, diante desse perigo absoluto, a hora é de resistência, de todas as formas de resistência que defendem a cultura – em sua diversidade – e a civilização – em suas conquistas.

(Trad.: Iraci D. Poleti)

n t

1 – A noção de “corpo produtivo”, enquanto corpo biológico integrado no processo de produção, já está presente em Marx, em Le Capital in OEuvres complètes, ed. Gallimard, Paris, 1965: cf. Livre premier, Le développement de la production capitaliste, IVe section: la production de la plus-value relative, XIII: Coopération.

2 – Ver, por exemplo, La guerre de pacification en Amazonie, 90’, documentário de Yves Billon, Les Films du village, 1973.

3 – Ler, de Marcel Gauchet, La démocratie contre elle-même, ed. Gallimard, Paris, 2002.

4 – Ler, de Charles Melman e Jean-Pierre Lebrun, L’homme sans gravité, Jouir à tout prix, ed. Denöel, Paris, 2002.

5 – Ler, de Emmanuel Kant, Fondements de la métaphysique des moeurs [1785], ed. Garnier-Flammarion, Paris, p.116.

6 – Ler, de Gilles Deleuze e Félix Guattari, L’anti-OEdipe, capitalisme et schizophrénie, ed. Minuit, Paris, 1972.

7 – Ler, de Jean-Pierre Lebrun, Un monde sans limite, ed. Erès, Ramonville, 1997.

8 – Cf., de Luc Boltanski e Ève Chiapello, Le Nouvel esprit du capitalisme, ed. Gallimard, Paris, 1999.

* Este texto é um trecho do livro L’art de réduire les têtes, a ser publicado no início de outubro pela editora Denoël, Paris.

 PUBLICADO NO LE MONDE DIPLOMATIQUE, outubro 2003

Fratura na modernidade

Fratura na Modernidade

 

Dany-Robert Dufour

 

“…. Entramos, há algum tempo, numa época naturalmente dita ‘pós-moderna’ – J. F. Lyotard, um dos primeiros a apontar esse fenômeno, entendia com isso evocar uma época caracterizada pelo esgotamento e pelo desaparecimento das grandes narrativas de legitimação, notadamente a narrativa religiosa e a narrativa política 1. Não quero aqui discutir a pertinência dessa expressão; aliás, outras são propostas: o supermoderno, o hiper contemporâneo… Apenas gostaria de observar que efetivamente chegamos a uma época que viu a dissolução, até mesmo o desaparecimento das forças nas quais a ‘modernidade clássica’ se apoiava. A esse primeiro traço do fim das grandes ideologias dominantes e das grandes narrativas soteriológicas, acrescentaram-se paralelamente, para completar o quadro, a desaparição das vanguardas, depois, de outros elementos significativos tais como: os progressos da democracia e, com ela, o desenvolvimento do individualismo, a diminuição do papel do Estado, a supremacia progressiva da mercadoria em relação a qualquer outra consideração, o reinado do dinheiro, a sucessiva transformação da cultura, a massificação dos modos de vida combinando com a individualização e a exibição das aparências, o achatamento da história na imediates dos acontecimentos e na instantaneidade informacional, o importante lugar ocupado pelas tecnologias muito poderosas e com freqüência incontroladas, a amplificação da duração de vida e a demanda insaciável de plena saúde perpétua, a desinstitucionalização da família, as interrogações múltiplas sobre a identidade sexual, as interrogações sobre a identidade humana (fala-se, por exemplo, hoje, de uma ‘personalidade animal’), a evitação do conflito e a desafetação progressiva em relação ao político, a transformação do direito em um juridismo procedimental, a publicização do espaço privado (que se pense na onda dos Webcams), a privatização do domínio público… Todos esses traços devem ser tomados como sintomas significativos dessa mutação atual na modernidade. Eles tendem a indicar que o advento da pós-modernidade não deixa de ter relação com o advento do que hoje evocamos com o nome de neoliberalismo.

É precisamente essa mutação que me esforçarei por pensar, na medida em que ela corresponde ao que poderíamos chamar de uma afirmação do processo de individuação há muito tempo iniciado em nossas sociedades. Afirmação que, ao lado dos aspectos positivos, inclusive de gozos novos autorizados pelos progressos da autonomização do indivíduo, não deixa de engendrar sofrimentos inéditos. Se, com efeito, a autonomia de sujeito comporta uma autêntica visada emancipadora, nada indica que esse autonomia seja uma exigência à qual todos os sujeitos podem responder de imediato. Toda a filosofia tenderia a indicar que a autonomia é a coisa mais difícil do mundo de construir e só pode ser obra de toda uma vida. Nada de espantoso em que jovens, que por natureza estão em situação de dependência, sejam expostos diretamente a essa exigência de modo muito problemático,  o que cria um contexto novo e difícil para todos os projetos educativos. Com freqüência falamos de ‘perda de referência nos jovens’, mas, nessas condições, o contrário é que seria espantoso. Decerto eles estão perdidos, já que experimentam uma nova condição subjetiva cuja chave ninguém, menos ainda os diretores de Escola, possui. Portanto, de nada serve invocar a perda das referências se com isso se indicar que algumas lições de moral à antiga poderiam bastar para impedir os danos. O que não anda mais é justamente a moral, porque ela só pode ser feita ‘em nome de…”, enquanto, no contexto de autonomização contínua do indivíduo, justamente não sabemos mais em nome de quem ou de que fazê-la. E quando não se sabe mais em nome de quem ou de que falar aos jovens, isso é problemático tanto para os que lhes devem falar todos os dias quanto para aqueles a quem se fala. Essa situação nova, a ausência de enunciador coletivo que tenha crédito, cria dificuldades inéditas para o acesso à condição subjetiva e pesa sobre todos, e particularmente sobre os jovens. Quais são os efeitos, para o sujeito, do desaparecimento dessa instância que interpela e se dirige a todo sujeito, à qual ele deve responder e que a história sempre conheceu e colocou em operação, notadamente através da Escola? Nessa perspectiva, nada é mais urgente que dispor de estudos de psicologia contemporânea que venham circunscrever a nova disposição de um sujeito instado a fazer-se a si mesmo e ao qual nenhuma antecedência histórica ou geracional se dirige ou pode legitimamente se dirigir.”

1 – J.F. Lyotard, La condition postmoderne, Paris, Minuit, 1979.

Fonte: Dufour, Dany-Robert, A arte de reduzir as cabeças: sobre a nova servidão na sociedade ultraliberal, Rio de janeiro, Companhia de Freud, 2005

Capitalismo, cultura e comunicação de massa

Capitalismo, Cultura e Comunicação de Massa: as inter-relações no campo de batalha ideológico

Gabriel Besnos

O hábito pode levar ao esquecimento. A repetição contínua e cotidiana de certas rotinas reflete dimensões de um sistema histórico das quais nem sempre tomamos plena consciência. A automatização de algumas práticas sociais do dia-dia parece nos fazer crer que as coisas sempre foram como aí estão, quando na verdade elas são efeitos de uma determinada organização e concepção de mundo. O simples ato, impensado, de passar a roleta de um ônibus – e pagar por isso – é um sinal de que todos os nossos movimentos estão pré-condicionados a normas e conhecimentos culturais adquiridos em nossa formação social. Passar uma roleta não é inerente à natureza humana, mas sim uma ação condicionada por um conjunto de valores constitutivos de uma lógica: a lógica de um sistema, no caso o capitalismo. Esses condicionamentos indicam que existe neste sistema um alicerce para além da economia e da política.

Situações como “pagar a passagem do ônibus” fazem parte de uma regulação normativa da sociedade, que orienta as condutas sociais num sentido que as ordene, que as torne condizentes com os valores de convivência e coexistência no mundo capitalista. Outra maneira de regulação são classificações binárias, entre as inúmeras possibilidades de condutas sociais, do que é “bom” ou “ruim”, “aceitável” ou “condenável”, “normal” ou “anormal”. Também esta regulação da sociedade atua na construção de um certo “comportamento social padrão”. Ainda uma terceira forma de regulação, que ormalmente é acompanhada de resistência e conflito, diz respeito a tentativas localizadas de romper com um determinado modo de fazer as coisas em favor de outro que seja considerado pela autoridade (ou pela maioria) local mais interessante. Aí há uma substituição deliberada, consentida ou não, de alguns valores e significados por outros.

Todas essas formas de regulação da vida social se dão através da manipulação da cultura. A cultura é justamente a síntese dos valores que alicerçam um sistema, é uma soma de ações (no plano real) e de formações discursivas (no plano simbólico) em uma determinada conjuntura, em um contexto histórico específico (o capitalismo, no nosso caso). Qualquer prática social pressupõe condições culturais e discursivas que lhes atribuem significado. No artigo “A cultura como campo de batalha ideológico do sistema mundial moderno”, Immanuel Wallerstein afirma que “a cultura, isto é, o sistema de idéias da economia mundial capitalista, é o resultado das nossas tentativas históricas coletivas para entrar num acordo com as contradições (…) deste sistema particular”. Segundo o autor, a cultura como instrumento de contenção das contradições sistêmicas recebeu dois significados. O sentido I refere-se à cultura como conjunto de características atribuídas aos diferentes grupos a fim de diferenciá-los uns dos outros. Por esse raciocínio, uma mesma pessoa pode participar de “culturas” múltiplas e multifacetadas. Já o sentido II do termo cultura vincula-se a uma percepção de que existe uma hierarquia intragrupal: superior e inferior. Esta lógica fundamenta, por exemplo, a oposição que vemos e fazemos entre as artes “superiores” e a prática cotidiana. A cultura no sentido II não distingue os grupos entre si, mas os indivíduos dentro de um mesmo grupo. Essas duas definições de cultura são importantes porque sustentam o ziguezague ideológico entre teorias universalistas e racistas-sexistas que, num par simbólico, formularam as respostas históricas da sociedade às contradições do capitalismo. Mas que contradições são essas?

Wallerstein faz um levantamento de seis características contraditórias do capitalismo, e aponta como o universalismo e o racismo-sexismo atuam na contenção destas contradições a partir da manipulação da cultura. Essa centralidade que Immanuel Wallerstein confere à questão cultural na análise do capitalismo e seu modus operandi – verificada também em outro teórico que dá sustentação a este trabalho, Stuart Hall – o inscreve como crítico de um certo reducionismo materialista que ameaçou dominar as discussões nas ciências sociais durante um longo período.

A primeira característica do capitalismo é a existência de uma única divisão do trabalho, que submete diferentes culturas (no sentido I) a uma rede interestados, enredando sociedades absolutamente distintas num sistema de produção de bens, de trocas de capital, de investimento, de comércio, de serviços. Essa expansão em escala global, claramente universalista, encoberta a existência de uma hierarquia interestados (entre as culturas no sentido I) e intraestados (entre as culturas no sentido II), que se nutre da ideologia racista-sexista. Não se pode esquecer que, na formação universalista dos estados nacionais, diferentes (e às vezes antagônicas) culturas (no sentido I) foram colocadas “num mesmo saco”. Em nível local e mundial, portanto, percebem-se relações assimétricas. A união econômica entre os estados no capitalismo é comandada pelas nações desenvolvidas e justificada pela ideologia universalista, mesmo submetendo e gerando miséria à grande maioria das nações, subdesenvolvidas. A hierarquia entre as diferentes culturas (sentido II) dentro de um mesmo estado, seja ela por classe social, etnia, cor da pele, são justificadas historicamente por ideologias racistas-sexistas. A primeira contradição apontada por Wallerstein acerca do capitalismo é justamente o fato de as pressões econômicas serem majoritariamente internacionais e as políticas pontos nacionais. Como as ações podem ser explicadas e justificadas nestes dois níveis? Através do emprego das ideologias universalistas e racistas-sexistas, simbioticamente.

É importante salientar que a expansão do capitalismo está sustentada por um movimento mundial da informação, que confere aos meios de comunicação de massa um papel infra-estrutural no sistema. A mídia é uma das mais poderosas ferramentas de expansão do capitalismo, e portanto um veículo das ideologias que fazem a contenção das contradições do sistema, o universalismo e o racismo-sexismo.

Lembrando os teóricos da Escola de Frankfurt, com seu conceito de Indústria Cultural, os meios de comunicação de massa são responsáveis pela produção em série de bens culturais para satisfazer de forma ilusória necessidades geradas pela estrutura de trabalho. A Escola de Adorno, Benjamin, Habermas, Horkheimer, interpreta a mídia como expressão de um objetivo estrutural e sistêmico, a economia mundial capitalista, atuando em nível de dominação simbólica – através da educação, do lazer, da cultura.

Sobre esta primeira característica apontada por Wallerstein com relação ao capitalismo – a formação de uma malha interestados -, a Indústria Cultural tem larga atuação. Onipresentes, os meios de comunicação de massa estruturam-se em grandes redes que detêm o monopólio da informação. Multinacionais como Time Warner, Walt Disney, News International, transmitem ao mundo as mensagens oficiais, ou seja, aquelas que são ou do interesse ou retrato de uma concepção de mundo dos países desenvolvidos. Ainda que haja resistência interna nos países, a força econômica das grandes agências de notícias ou dos impérios de entretenimento, somada à fraqueza e dependência da maioria das empresas de mídia locais / regionais, acabam consolidando uma fonte única de informação, que atinge a ampla maioria da população.

A segunda contradição apresentada por Wallerstein diz respeito ao sentimento de populações incorporadas pelo capitalismo em seu processo cíclico de expansão e contração: a adesão ao sistema dominante é uma modernização ou ocidentalização? Será manejando a cultura através de formações discursivas que o universalismo considerará o mundo ocidental a fonte da verdadeira modernidade – impondo suas religiões, sua linguagem ou sua tecnologia -, e o racismo-sexismo irá se manifestar pelo desprezo das nações desenvolvidas aos países (e às culturas) que rejeitarem a ocidentalização / modernização.

Neste caso, a manutenção ou homogeneização das identidades culturais nas diversas nações é o foco central da contradição capitalista. De acordo com os frankfurtianos, a Indústria Cultural realiza o segundo movimento, a partir de uma cultura dominante. Exemplo deste processo é o cinema norte-americano, ícone de um processo comumente chamado de McDonaldização do mundo, porque despeja por todos os cantos do globo não só os bens de consumo, mas ícones, culinária, entretenimento e estilo de vida dos Estados Unidos da América. Esta tendência fica bastante esclarecida na colocação de Stuart Hall em “A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo”:

“Os efeitos do processo de ‘globalização’ – enfraquecendo a relativa autonomia dos estados nacionais na determinação das políticas culturais em seus próprios territórios soberanos e aumentando as pressões por políticas do tipo ‘céu aberto’, de internacionalização dos mercados culturais – têm tido um papel cada vez mais significativo, uma vez que está ocorrendo uma tendência, à qual não se tem dado muita importância, de retomada da monopolização pelas transnacionais globais.”

Eixo principal da economia mundial capitalista, a acumulação infindável de capital é apontada por Wallerstein como uma terceira característica do sistema, responsável por situações em que, apesar da lógica vigente ser de defesa dos auto-interesses, o empregado deve sempre se sujeitar à busca incessante de seu patrão por saldos positivos, aliando trabalho mais árduo e salário mais reduzido. Esta contradição evidente do modo de produção capitalista é contida pela tentativa de ideologizar a desigualdade e a assimetria, a partir de um discurso baseado no mérito universal do trabalho árduo, componente bastante visível da cultura ocidental, que cria no imaginário coletivo a percepção de sucesso e realização pela mobilidade social. Esta faceta da cultura ocidental é amplamente difundida através dos meios de comunicação de massa, em seu jornalismo, em sua dramaturgia. O racismo-sexismo, quando usado, associa a baixa remuneração ao “padrão inferior” de cultura (sentido II) do grupo discriminado.

O progresso é inevitável, custe o que custar. Alto valor do capitalismo, a tecnologia alimenta a necessidade permanente de mudanças no sistema de produção. A mesma modernidade que nutre o sistema lhe é uma ameaça, na medida em que coloca em risco a legitimidade das suas autoridades, historicamente calcadas na tradição, na antiguidade; aí reside a quarta contradição estudada por Wallerstein. O apelo universalista nesses casos é para a revolução necessária, o desenvolvimento nacional, quiçá um “espetáculo do crescimento”. Já o racismo-sexismo fica arraigado na postura patriótica, dificilmente não experimentada por algum país.

A Indústria Cultural atua também de forma isolada nos seus países, apesar de o foco dos estudos frankfurtianos estarem numa teoria crítica da comunicação de massa em escala global. São notáveis os casos de alinhamento (ou não) dos meios de comunicação de massa com os governos locais e sua capacidade, através de padrões de manipulação da grande imprensa, de legitimar posturas favoráveis ou contrárias às autoridades em questão. A mídia é constantemente um poderoso instrumento de que políticos lançam mão para sua permanência ou alçada ao poder, em todos os países.

No estudo das mass media, posteriormente a Adorno, Benjamin, Horkheimer, os estudos de recepção darão atenção não só ao emissor. Teóricos como Jesús Martín-Barbero deslocam o olhar para o receptor, usuário dos meios, capaz de processar as informações de múltiplas maneiras, inclusive como elementos constituintes de uma identidade cultural (patriótica, por exemplo). O foco deste trabalho, no entanto, está na Indústria Cultural frankfurtiana, sobretudo a teoria crítica de Adorno, e as suas relações com o capitalismo e a cultura.

Quinta característica do capitalismo, a polarização é uma das faces mais cruéis do sistema – e também uma das mais visíveis. O acúmulo de riqueza por uma minoria e o empobrecimento da grande massa populacional do globo é o retrato acabado da assimetria do sistema mundial moderno. O princípio capitalista é crescer, expandir; Immanuel Wallerstein afirma que “todos os parâmetros absolutos assumiram, com o tempo, a forma de uma projeção linear ascendente. Desde o início, a economia mundial capitalista tem tido cada vez maior atividade produtiva, cada vez maior produção de ‘valores’, uma população cada vez maior, invenções cada vez mais numerosas”. Esta riqueza superlativa não é traduzida, no entanto, em melhoria generalizada das condições de vida da população mundial, porque a renda está concentrada. A contradição está no contraste que o sistema capitalista produz entre o “luxo” e o “lixo”: a opulência do capital em oposição aos bolsões de miséria, à fome, à violência crescente que é fruto da concentração de renda.

A realidade empírica é crua: o capitalismo não apresenta nada em termos sociais que não um abismo cada vez maior entre ricos e pobres. Já a ideologia oficial universalista encarrega-se de difundir o “desenvolvimentalismo”, para legitimar a polarização através de um discurso frágil de que todos os estados tem a possibilidade de desenvolver-se. A partir deste ponto, revelam-se os rasgos racistas-sexistas da ideologia oficial, tecidos na afirmação de que o “atraso” de alguns estados é uma recusa voluntária dos mesmos à modernidade. Nações desenvolvidas passam a servir de modelo para as subdesenvolvidas (que vivem momentos históricos e possuem culturas – no sentido I – radicalmente diversas, na maioria das vezes).

Ancorada no sucesso das potências mundiais, a Indústria Cultural faz o proselitismo capitalista. Imagens, textos e sons vendem a cultura “empreendedora” das nações vencedoras, a propaganda do sistema, a exemplificação do estado rico possível no mundo moderno, através de manifestações seguidamente triunfalistas (caso notório de algumas películas hollywoodianas). Também visões racistas têm grande circulação nos meios de comunicação de massa dominantes, instrumentando a ideologia oficial com seus bens culturais. Claro, há tecnologia de mídia para todos os lados. TVS orientais travam seu embate com o ocidente, veículos ocidentais aderem ao anti-americanismo. Também caberão ideologias racistas-sexistas nessas empreitadas. Há espaço para muita informação, mas também há domínio do mercado global, há constrangimento econômico. Principalmente, há uma maioria sendo atingida pelas mensagens prontas dos estados pujantes.

O último ponto de Wallerstein na caracterização do capitalismo é a sua condição de sistema histórico, sujeito a um ciclo de vida. A característica sui generis desse sistema, contudo, é a acumulação infindável de capitais, que pressupõe uma possibilidade ilimitada de expansão. Mesmo assim, a decadência foi um sentimento experimentado inclusive pelos países mais ricos e poderosos. O autor pondera que deve-se encarar a possibilidade de morte do sistema mundial e o declínio de países em escala local, apresentando também a forma de ação das duas ideologias conservadoras na negação deste processo.

Conservadores racistas-sexistas atribuirão a decadência a uma liderança incapaz transitória ou, no caso de morte definitiva, ao poder em demasia delegado à grupos de cultura inferior (no sentido II). Universalistas tratarão de denunciar o igualitarismo intelectual e negarão a autoridade da elite científica. Wallerstein também aponta para a possibilidade de ideologias progressistas que saudariam a morte como transição: na versão universalista, ela é inevitável, na racista, uma retomada dos grupos superiores.

Para a morte do sistema capitalista a Indústria Cultural não parece oferecer muitas respostas. Denúncia de uma época, a Escola de Frankfurt transformou as suas teorias sobre os meios de comunicação de massa também em um movimento anti-sistêmico, de grande alcance no meio acadêmico. Os media foram atrelados ao mundo administrado do capitalismo (expressão cunhada por Adorno), como ferramentas de sua dominação sobre o indivíduo no campo simbólico, discursivo, cultural. Independentemente da atualidade ou não das teorias conspiratórias frankfurtianas, elas constroem a base para a percepção de que entender o sistema mundial moderno passa pelo estudo crítico da Comunicação de Massa: onipresente, sustentáculo das trocas de informações, símbolos, mensagens e discursos no sistema capitalista. A Escola de Frankfurt apresentou teorias que convergem em muitos aspectos com a concepção que Imannuel Wallerstein atribui a cultura. O campo de batalha ideológico do sistema mundial moderno é espelho das tentativas de construção do sonho liberal – reflete as ideologias que se defrontaram para acomodar as contradições do sistema, o mosaico das experiências coletivas, as normas, as formulações simbólicas do mundo capitalista.

Na “Dialética do esclarecimento”, Adorno e Horkheimer denunciam a racionalidade contemporânea instaurada na ciência, na indústria, na organização política e moral, a fim de revelar que o nazi-facismo é inerente ao processo de modernização burguesa. Esta intenção foi uma bandeira dos pensadores de Frankfurt. Percebe-se aí, por exemplo, uma aproximação clara com Immanuel Wallerstein, que coloca a ideologia racista-sexista não como mero fenômeno político, mas elemento constitutivo do sistema capitalista, em um par simbólico com o universalismo.

Para Immanuel Wallerstein, o sonho liberal é universalista, preconiza a ciência e a assimilação política, e a globalização vigente é um reflexo de que movimentos sistêmicos e anti-sistêmicos atuaram ao longo da história (conscientemente ou não) para sua realização. Todas as alternativas de defesa (contra suas próprias contradições e contra as conjunturas) parecem contempladas pelo sistema capitalista. As experiências históricas totalitárias, o nazi-facismo, as ditaduras latino-americanas, foram respostas que o próprio sistema arregimentou para conter suas contradições, através da ideologia racista-sexista.

Sistema excludente, o capitalismo apóia-se enormemente na cultura para existir e resistir aos seus percalços cíclicos. Pode-se dizer que o sistema mundial moderno é constituído de uma economia mundial capitalista e de uma cultura mundial capitalista, ou seja, de um sistema de idéias, de um “campo de batalha ideológico” próprios, nas palavras de Immanuel Wallerstein. Capitalismo, para além de qualquer reducionismo materialista, é também discurso.

“Não deve nos surpreender, então, que as lutas pelo poder sejam, crescentemente, simbólicas e discursivas, ao invés de tomar, simplesmente, uma forma física e compulsiva, e que as próprias políticas assumam progressivamente a feição de uma ‘política cultural’.”

(HALL, Stuart in A centralidade da cultura)

Referências Bibliográficas:

1. WALLERSTEIN, Immanuel. A cultura como campo de batalha ideológico.

2. HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo.

3. ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos.

4. RAMONET, Ignacio. A Tirania da Comunicação.

5. BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão.