Aconteceu em dezembro de 2007

 

Em outubro de 2007 resolvemos mudar para um novo endereço. Começamos a buscar opções, mas ou não encontramos o que queríamos ou o que queríamos não nos encontrou. No início de dezembro pensamos em fazer algumas pequenas reformas em nosso apartamento para depois podermos escolher com calma entre a mudança ou a permanência. Contratamos um profissional que nos garantiu que, duas semanas antes do natal, tudo estaria pronto. Prazos não cumpridos,os serviços começaram com duas semanas de atraso, passamos o dia/noite/madrugada do natal trabalhando que nem uns escravos.

Além do que, errou no pedido de argamassa, e como conseqüência, temos pelo menos uns cem quilos de argamassa encalhados. Quando o malfadado transporte terceirizado veio entregar , deixou toda a argamassa praticamente no meio da calçada; pegaram trinta reais do serviço e se foram, sem dó nem piedade. Então eu e a Ana carregamos vinte sacos de argamassa por quase cinquenta metros, cada um deles pesando vinte e cinco quilos. Uma experiência inesquecível, para um sábado de manhã com um sol absolutamente enlouquecido.

Ainda na véspera do Natal tivemos que conseguir um caibro de 5 x 5 polegadas, com 2m e meio para sustentar uma determinada estrutura. Na compra do caibro fomos atendidos por um ser brotado do inferno, que nos tratou como se fossemos dois empesteados na Idade Média. Eu e a Ana trouxemos o caibro no carro, com apoio no vento. No dia anterior ao Natal batemos o recorde indo e indo de ferragens, comprando uma coisinha aqui, outra ali, ainda uma terceira acolá e assim por diante.

Por fim, a Ana ao sair do Big Cristal, percebeu que algo havia batido na tampa traseira do nosso carro e atingido também seu pára-choque, deformando ambos. Então, ou acionávamos o seguro, perdendo cerca de vinte por cento na renovação do mesmo ou tentaríamos processar o hipermercado. Decidimos pagar o prejuízo, antes que ele aumentasse ainda mais.

Cerca de duas semanas antes,  desapareceu (assim mesmo!) uma bolsa que a Ana estava usando: dentro dela estavam os documentos do carro, carteira de identidade e assim por diante. Ocorre que o nosso carro tem placa de Fortaleza, Ceará e nós moramos em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Tomadas todas as providências, mandamos doumentação para uma sobrinha querida. Como tínhamos urgência, enviamos por Sedex, entrega 24 horas, mas que só foi entregue três dias depois. Telefonar para os Correios e falar com uma pedra teve o mesmo efeito. Mas também foi resolvido.

Finalmente hoje, 27 de dezembro, as 16h30 temos uma cama desmontada em casa, pois quem iria montá-la ao meio-dia simplesmente ainda não chegou nem mandou sinal de vida. Estamos cansados, exauridos, exaustos. Estamos em processo de desgaste há pelo menos três semanas, com prazos sendo descumpridos, com situações limite acontecendo, enfim, com um pacote de contratempos que poria qualquer casal em pé de guerra, com acusações mútuas sem sentido. Nosso filme preferencial em relação ao que está acontecendo talvez fosse, nesta altura “Mulheres à beira de um ataque de nervos“, do Almodóvar.

Dá pra pensar realmente na famosa teoria da conspiração, mas agora não tem muito sentido. Administramos as situações, mas no momento em que elas dependem de terceiros (e quase sempre dependem), elas encalham, param, não se resolvem. Paciência é não só recomendada, mas é fundamental.

E hoje tem janta na nossa casa, com pelo menos 14 pessoas! Temos sido testados cotidianamente em nossa paciência, mas cada vez que dependemos de terceiros, esses magicamente se transformam que quartos, quintos, sextos e assim por diante. Nesses casos, talvez a solução seja dançar um tango argentino. Por una cabeza talvez fosse a pedida mais exata.

E isso que, da missa, não escrevi nem a metade. Gostaria muito que tudo fosse uma  ficção, mas, infelizmente não é.

E se (de 2007 para 2008)

Durante o ano todo pedimos, no fim do ano também. Pedimos pelo ano novo, pedimos por desejos novos ou repetimos alguns antigos, pedimos novos amigos, novos prazeres e mais pão em nossas mesas.
Durante o ano todo pedimos, no fim do ano também. Pedimos por novas materialidades, juramos que vamos mudar se não tudo, pelo menos uma boa parte, o que significa que reconhecemos nossas pequenas ou grandes idiossincrasias
.
Durante o ano todo pedimos, no fm do ano também. Pedimos um novo ano, pedimos novos significados, novos caminhos, novas trilhas, novos amores, novas festividades, novas carnações. Pedimos mais bebidas e menos obrigações, pedimos mais tranqüilidade e menos atribulações. Pedimos para que aquela pessoa insuportável viaje para bem longe e fique muito afastada.
Durante o ano todo pedimos, no fim do ano também. O novo ano está ali, nos esperando, uma passagem no tempo de cada um de nós, uma fímbria de luz, um espaço a ser conquistado, renovado, matutado, organizado e essencialmente buscado.
E se tentássemos tratar o ano como gostaríamos de tratar a nós mesmos, ou ao grande amor de nossa vida? E se fossemos um pouco Frida Kahlo, um pouco Joan Baez, um pouco Paulo Freire? E se buscássemos o Picasso que há em nós, o Fito Paez,  até um pouco de Adeste Fidelis?
E se tivéssemos presente em nós o muito de criança que matamos sistematicamente ao longo das nossas vidas? E se, simplesmente não nos importássemos um pouco, um pouquinho só com as obrigações que tanto nos sufocam e tanto nos aprisionam durante todos os dias, nos transformando em uma linha de montagem fordiana?
E se tivéssemos um mínimo de Chaplin, de Cirque du Soleil em nossos corações? E se saltássemos, pelo menos uma vez, sem a rede que nos dá a certeza e, portanto, o monocórdio? E se fossemos um toque de jazz, um samba, um mínimo de Fernanda Montenegro?
Ai, como pediríamos menos, se, pelo menos por nós, fizessemos o que deveríamos fazer? Tivessemos um pouco de graça, de carinho e de afeto verdadeiros, daqueles que nos expõe e nos revelam?
Em 2008, vamos descobrir a nós mesmos?

Meu melhor presente de aniversário em 2007

Hilton

…Professor não é só aquele que chega na escola, enche o quadro, faz a chamada e diz:

-Façam. Vocês tem 10 minutos para resolverem.

Mas sim aquele que chega na sala de aula, e, antes de tudo, diz boa tarde para os alunos, aquele que até enche o quadro, mas esplica todos os exercícios umas 100 vezes se for preciso, aquele que xinga mas também brinca, aquele que faz espelho de classe, mas não só para acabar com a conversa e sim porque quando estivermos na faculdade lembrarmos que se não fosse aquele professor, é, aquele mesmo, aquele de uma escola pública que tivesse nos aconselhado a parar com a conversa nos momentos errados, talv ez estivessemos cheios de filhos ou até usando drogas. Por isso adoramos este tipo de professor, o chamado professor HILTON.

FELIZ ANIVERSÁRIO BEIJOS DE TODA C 22

Asssinaturas:

Fabiane, Rafaela, Jocelaine, Andressa, Cristiano, Claudio, Paulo, Kelly, Jenifer, Jefferson, Rafael, Nikolas, Luis Henrique, Gregson, Marcelo, Luis Carlos, Lucas, Pâmela, Ana Caroline, Daiane, Ariadne, Elvira, Thais

Melancolia

 

É, eu sei…

Um sentimento vago de melancolia, algo que não foi vivido, mas cuja saudade arde como alcool em uma ferida, uma vontade de retornar no tempo, de encontrar de novo músicas que vivem na minha mente, como se elas me transportassem aos cenários onde foram, pela primeira vez, ouvidas, saudades dos títeres porteños e de suas manipulações, de cheiros e de casas de ruas perdidas entre becos de Buenos Aires, entre calles de Montevidéu. Ali, bem ali o corte de vestido revelando o que apenas minha imaginação e desejo desenharam: ombros nus, enfumaçadas visões entre os vapores de vinhos, homens, mulheres, casais nem sempre belos, nem sempre brilhantes, mas intensamente vivos, sedentos em um salão que somente em sonhos vi… cheiros múltiplos dos corpos em danças cubanas ou argentinas.

Muito depois, já em outra dimensão, sóis despedaçando-se contra vidraças úmidas de suores, de emanações  viciosas e viciantes, histórias desenhando-se em cada uma das frestas possíveis (a luz nessas horas degenera os ambientes!). Ai, sensações não conhecidas que me habitam, toques de pele e miradas que não consegui vislumbrar, apreender. Saudades do que não foi tocado, do que não foi cheirado, ouvido, sentido, vivido mas que me arrastam como uma ventania, como um furacão, como um torvelinho.

Melancolia, linha tênue entre o desespero e a tristeza, limite descontínuo mas firme, condurora dos meus esquecimentos, dos despertares em outros locais onde a imaginação e a vontade me transporta. Melancolia das cidades, vontade de apartar-me de mim mesmo e vagar, de errar como um barco que, em meio à escuridão da noite, encontra a calmaria e, lentamente, depõe suas velas.

Tem anjos que se afastam momentaneamente de quem devam proteger, mas só o fazem porque conhecem já muito bem seus protegidos. Com o tempo os anjos, que sabem muito mais do que nós, terminam por conhecer todas as nossas idiossincrasias, medos, solidões e agonias. Talvez por isso nos deixem de vez em quando, indo procurar outras pessoas, seja porque não as conhecem tão bem seja por saberem que as mesmas necessitam um pouquinho mais deles do que nós próprios.
De quando em quando os anjos, espíritos etéreos, ficam por aqui, por ali, saltitando entre árvores, brincando com os nossos sorrisos e nos despenteando os cabelos. É claro que eles não podem interferir em nossas escolhas, pois estas são feitas sempre visando a nossos próprios aprendizados. E anjos não interferem em aprendizados, porque as nossas escolhas são orientadas em razão do que devemos conhecer, de acordo com nossa preparação para sermos pessoas melhores, espíritos mais elevados.
Por sermos humanos, perdidos muitas vezes em nossos projetos, em nossas expectativas, em nossos desejos e em nossas humildades, achamos que nosso Anjo nos abandonou. Quando pensamos assim, nosso Guardador se entristece um pouco, e, sacudindo a cabeça, reflete que ainda temos muito a aprender.  Mas ele permanece sempre por perto, e nos mostra a luz do dia, e nos enternece ante os finais de tarde e nos mostra como somos instáveis aos nos alegrarmos e, em seguida, nos chatearmos com detalhes que não são oriundos do nada, mas que, de certa forma, trouxemos para nós.
Quando nosso anjo se afasta, faz como se fosse um pai ou uma mãe observando os filhos no processo de aprenderem a andar e é claro que, se existem tropeços, aos pais não cabe interferir para não amedrontar quem deve aprender por si próprio (as aprendizagens são sempre individuais), por outro lado é necessário mais que um olhar para proteger, e os pais o fazem, mas somente quando é necessário.
O fato de os filhos não entenderem tal cenário não significa que ele não exista.
O tempo, que a tudo observa, lentamente escoa durante tal aprendizagem. Anos? O que são anos, senão apenas convenções, pedaços de tempo que o homem tenta aprisionar e domesticar, para suas conveniências, enquanto o Tempo condói-se de tamanho esforço tolo?
Anjos e Tempo, sentados lado a lado, vêem seus filhos crescerem em dimensões humanas e, portanto, em falibilidades, preparando, contudo, um espírito novo que cresce em circunstâncias as quais desconhecemos.
O Anjo que está em você não te abandona, e existia como uma dádiva de Deus, como um sopro de luz. Ele habita o teu coração e zela pelo teu sono e quando as dúvidas e as melancolias acudirem, não te preocupes: são deles tais sopros, assim como é o vôo do pássaro que o ensina a conhecer os caminhos do vento.
HILTON BESNOS

A mesa ouija

Estou lendo “A estrada da noite”, de Joe Hill (título original Heart-Shaped Box, 2007, ed. Sextante). O enredo da história não tem grandes novidades, e as vezes tenho a nítida impressão de que estou lendo um roteiro de filme que, em seguida será lançado no mundo todo. Como o tema do livro é a luta entre um casal não muito convencional e um fantasma, novamente surge, inconfundível, a mesa ouija. Fiz uma pesquisa muito rápida porque invariavelmente ela aparece em vários títulos de livros e de filmes de terror. Afinal, o que é uma mesa ouija? Segundo o que aprendi, é um equipamento pelo qual pessoas podem se comunicar com espíritos, seguindo determinadas regras. Até aí, nada muito específico para você, ilustre leitor desse blog. Parece, isso sim, que a mesa ouija é um atalho, um acesso direto a um mundo que chamamos de transcendente. Nessas breves pesquisas, há relatos de pessoas que tiveram graves problemas após utilizar tal caminho, de outras que não apresentaram qualquer problema no uso do equipamento e de outras que inclusive brincam e debocham do mesmo, em relatos das mais diversas ordens.

Eu sou um ignorante no assunto, mas não creio que qualquer sinal de transcendência deva ser tratado com desrespeito e, especialmente como se fosse uma brincadeira de finais de semana entre pessoas que querem “curtir” uma diferente. Se a mesa ouija (alguns chamam de Tábua Ouija) lida ou pode lidar com espíritos, é necessário encarar o assunto com respeito e com um mínimo de conhecimento.

Aliás, essa é uma das fundamentais diferenças entre conhecimento e informação. Conhecimento é informação amadurecida, e qualquer assunto de qualquer natureza deve ser tratado com amadurecimento. Assim noto que a mesa passou a ser algo tão banalizado quanto qualquer outro tema. Não gosto disso. Não gosto de reducionismos e tenho um profundo respeito às religiões, mesmo que Marx as tenha denominado de “ópio do povo”. Respeito aquilo que se chama de sentido, sentimento religioso. E, cá pra nós, utilizar como um clichê algo que pode nos colocar em contato direto (segundo dizem os entendidos no assunto) com outras esferas e, portanto, outros cenários sem que tenhamos já amadurecido um conhecimento sobre o assunto, me parece mais jogada de marketing ou um profundo desrespeito com as significâncias e significados que as pessoas cultuam em seus relacionamentos com o exotérico.

 

Leonel e o piano

 

Eu e meu amigo Leonel não moramos mais no mesmo prédio, e o post abaixo foi escrito em 2005. Posso até dizer que nos vemos raramente. No entanto o espírito permanece. Assim, quis colocar essa homenagem ao seu piano, à sua voz, e, especialmente a ele.

Para Leonel S.

Aqui no prédio onde moro, há um grande amigo, uma alma enorme que tem um diferencial: ele toca piano e canta maravilhosamente. A sua voz passeia nos corredores, preenche espaços, traz muito de humanidade e de beleza àqueles ambientes frios que costumam caracterizar os prédios de apartamentos. Meu amigo canta; há umas duas horas lá estava ele, trazendo à nossa alma o Flávio Venturini (…foi assim, como ver o mar…).

Nesses momentos, fico ainda mais agradecido por privar dessa amizade, de ter pessoastão próximas que trazem tanta sensibilidade e alegria à nossa existência. Na minha visão, há enriquecimentos que são tão grandes que não podemos guardar em outro lugar, senão em nossos corações.

Então penso que a vida e que a felicidade é construída cotidianamente desses instantes, desses pequenos ou grandes oásis e que cumpre a nós o prazer de cultivar, de tornarmos mais próximos… Muitas vezes apenas olhamos, mas não vemos. Cabe-nos a capacidade de observar com carinho e atenção oque de bom se nos apresenta.

O piano só existe porque o meu amigo existe. Sempre teremos a mão, o pensamento, a integralidade de um ser humano quando estão presentes a arte, a amizade, o amor, a literatura, o esporte, a poesia; cabe-nos o papel de entendermos que a vida, embora nos apresente revezes ou nos brinde com situações inesperadas e dolorosas, apenas está nos dando uma mensagem: aprenda, conscientize-se.

Amigo, agradeço de coração pela sua sensibilidade, pelo seu piano e, especialmente, por criar espaços tão comoventes de humanidade.

São, São Paulo mon amour

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Foto: praça da Sé, da escadaria da catedral. Foto Hilton

2008

Em 18 de fevereiro embarquei de Fortaleza para São Paulo, tendo regressado em 23 de fevereiro para Porto Alegre.

São Paulo me encanta por tudo que sabemos a respeito dela: diversidade, arquitetura, cultura, possibilidades, surpresas de todas as ordens. É claro que muitos dizem: também violência, correria, trânsito caótico. Alguns falam que São Paulo é ótimo, desde que você viva em algum bairro privilegiado, o que se aplica a qualquer cidade, seja pequena, média ou grande. São Paulo, contudo, é uma megalópole, e essa é a diferença. Passeei pelo centro de São Paulo, passeei pela Paulista, fui a Museus, circulei entre pessoas, perguntei muito em bancas de revistas: qual o ônibus, como faço para ir para, como faço para voltar, etc. Sempre me responderam com atenção. Aliás, uma sugestão: se você estiver em uma cidade desconhecida, sempre pergunte ou em bancas, ou para policiais. Pelo menos eu não tive qualquer problema.

Andei muito por São Paulo. De Vila Olímpia para o Parque Ibirapuera, deste para a Av. Paulista e nesta, para o Conjunto Nacional, onde fui até o Café Viena. Pelas três da tarde, ônibus até a Estação da Luz e uma surpresa maravilhosa: o Museu da Língua Portuguesa, simplesmente imperdível, como, aliás, é a própria arquitetura da Estação da Luz. Depois, Parque da Luz, ao lado da Estação. Após, encontro com meu grande amigo Zé, para essas coisas triviais, como um lanche delicioso regado a várias Bohemia geladas, isso na Vila Mariana, no Bar Salve Jorge. Aliás, uma história interessante, porque o dono do bar é argentino, e, pelo menos aqueles quarteirões lembram muito o imaginário de La Boca. Um cenário delicioso, convidando a papos que se estendem noite adentro.

Dia seguinte (20), fui a pé do Hotel até o centro, sempre pela Rudge, que se transforma na Rio Branco. Ao meio do caminho, uma surpresa: o CRE Mário Covas (Centro de Referência Educacional Mário Covas), que fica na Rutge. Ando e, quando me dou por conta, estou passando por uma das maiores instituições que se dedicam à educação neste país. Automaticamente entrei e, novamente, muita sorte! Foi ali, no CRE que conheci um pouco da história da educação de São Paulo, guiado pelas mãos e pelo conhecimento consistente e conseqüente de Diógenes Nicolau Lawand, responsável justamente pelo Memorial do Museu. Ali fiquei no mínimo duas horas, conversando, trocando experiências e idéias sobre educação, mas ficou clara a sensação de que eu e Diógenes estávamos apenas colocando um ponto inicial em um mundo que se chama educação. Sorte minha, não é todo dia que encontramos um expertise.

Dia seguinte foi o de visitar a Praça da Sé, admirar a arquitetura e o interior da Catedral da Sé e depois, a passo, ir à Praça da Liberdade, onde almocei no Banri, logo no segundo ou terceiro quarteirão. Leitão agridoce foi o pedido, algo dos deuses. Depois, bem depois, após ter explorado o bairro, peguei o metrô na Estação da Sé e desci na Tiradentes onde, novamente, fui à nova farra etílico-cultural com meu amigo…muitas conversas, várias delícias por aqui e ali.

No dia 21 meu amigo havia viajado. Novamente fiz o percurso do Hotel ao centro e lá, após algumas pesquisas, decidi ir ao Museu Ipiranga, depois de ter ajustado o horário do ônibus executivo que me levaria, 23, para Guarulhos, partindo da Praça da República. O Museu Ipiranga é indescritível, é um palácio que fica em meio a um parque maravilhoso. É nosso Versailles, construído em 1888. Atualmente é chamado Museu Paulista, administrado pela USP. No momento em que estava visitando, aproximei-me de um grupo de estudantes de artes que estavam realizando uma visita guiada, o que me trouxe informações sobre estilos de pintura e modos de realizar as mesmas que eu não teria como aprender, especialmente sobre intencionalidades e sobre como, através da pintura, construir tipos heróicos ou mitológicos. Depois fiquei um bom tempo simplesmente admirando as salas, separadas por assuntos, como estilos de vida das classes burguesas em São Paulo no século XIX, a influência francêsa no Brasil, liteiras, carruagens, vida social, vida econômica, música, cultura, etc.

Retornando para o centro, com ônibus elétrico, fui novamente à Sé e, de lá, ao Patteo do Collegio, que abriga o Museu Anchieta, considerado o local onde nasceu São Paulo. O museu se localiza em um largo cercado por construções que mesclam o século XIX e o mais moderno. Foi ali que tive um choque grande: ao degustar um cafezinho na belíssima cafeteria do Museu, constatei um problema com o chip da minha digital, o que fez com que eu perdesse muitas fotos de grande valor estimativo, algumas de Fortaleza, outras de São Paulo.

No dia seguinte andei demais: resolvi vagar pela Rudge, ir até ao Bom Retiro, simplesmente andar, olhar as pessoas, os prédios, entrar em cafeterias, aproveitando meu último dia em São Paulo. No Bom Retiro um comerciante me aconselhou a visitar o Museu da América Latina, mas disse que estava bem longe: talvez uns sete quilômetros de distância. O que faz um caminhante? Caminha, e decidi ir até lá: muitas ruas e quarteirões, duas avenidas e uma passarela, além de muito tempo depois, cheguei ao Museu. À entrada encontra-se o pavilhão Simón Bolivar, onde havia dois eventos: a posse dos novos membros do Conselho Estadual dos Idosos (sem trocadilhos,óbvio…) e uma exposição da atual minisérie da Globo: Caros Amigos. No outro pavilhão, o Pavilhão da Criatividade Darcy Ribeiro, uma mostra permanente sobre países, costumes, vestimentas, lendas dos países da América Latina mais o México. Impressionante, visualmente atraente, não dá qualquer vontade de sair. Ali conheci Zuleide, de Manaus e Keity, de São Paulo. Espero que continuemos a conversar. Mais tarde resolvi retornar para o centro: apanhei o metrô Barra  Funda e desci na Sé. De lá, fui visitar o Mercado Público Municipal, uma obra de arte que abriga um enorme movimento de pessoas, de cheiros, de alimentos. Um lanche ótimo me esperava no primeiro andar.

Caminhei, passeei mais, resolvi voltar a pé para o Hotel. No dia anterior a chuva havia provocado mortes e prejuízos em São Paulo, especialmente na região do ABC. Dia seguinte, volaria para Porto Alegre, num 737. Andando, com os pensamentos em ordem, com muito para lembrar e pensar, concluí: São Paulo é, sem dúvida, uma essência de humanidade dentro de suas contradições e de seu trânsito caótico. Há muita vida por trás dos noticiários de televisão.

Os locais que eu visitei:

http://www.estacaodaluz.org.br/

http://www.pateodocollegio.com.br/newsite/

http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/SEC/menuitem.b324028ce888528e74114510c1108a0c/?vgnextoid=822a982584f79010VgnVCM2000000301a8c0RCRD

http://www.mp.usp.br/

HILTON BESNOS

O primeiro arrogante, dentre muitos que encontrei por aí

Quando era garoto, costumávamos brincar de jogar bola, futebol de mesa, bolita de gude, ferrinho ou, simplesmente de conversarmos, peregrinando da casa de um para a casa de outro amigo. Éramos todos filhos de pais aposentados ou comerciantes, que não tinham uma vida financeira estável. Assim, não podíamos ter o que quiséssemos, pelo que constrangidamente nos submetíamos àquele césar que tivesse à disposição uma bola de futebol (ele podia, então, escolher qual a posição e o time que iria jogar, sofrendo as pressões necessárias), a mesa para jogar o futebol (nosso césar então ditava quais as regras do jogo, que lhe eram sempre as mais convenientes) ou o melhor “som” (no qual tentava impor que todos escutássemos as suas músicas prediletas).

Cada vez que pensávamos em um jogo, um torneio, ou uma brincadeira pudesse envolver nosso césar, sabíamos que deveríamos bolar alguma estratégia para não nos submetermos de modo tão inglório ao nosso tirano particular. Nosso césar, cujo pai era médico, trazia já em si, pela educação que recebia no cotidiano a bactéria virulenta da arrogância, e não perdia uma oportunidade para, de modo mais sutil ou mais direto nos dizer “eu tenho, vocês não, portanto, pobres infelizes, vocês dependem de mim, logo eu digo o que vai ser e como vai ser”.

Fomos crescendo, passamos à adolescência e quase todos morávamos próximos; um grupo leal de cinco ou seis pessoas, uma “turma” que ía aprendendo no dia-a-dia a trilhar seus próprios caminhos, buscando suas opções de vida. Éramos assim, crescendo em meio às espinhas, acnes, às expectativas, às rejeições do mundo feminino, aos primeiros “amassos” e às aprovações e reprovações do mundo adulto, carregando apelidos, nos iludindo na escola, matando aulas, rodando por aí, tendo a noção clara de que o mundo, ao contrário do que nos diziam, não era algo perfeito, retilíneo, previsível.

O passar do tempo, contudo,  nos fez perceber que já não era tão importante o futebol de mesa ou as correrias em torno do quarteirão e, assim, aos poucos, a dependência do nosso césar foi amainando. Alguns de nós mudamos de endereço, Robson, Cacau, Ricardo e sua irmã Tania; Ricardo e seu irmão Júnior se mudaram para o Riio de Janeiro, a vida prosseguia. Um pouco antes, contudo, a notícia nos alcançou: nosso césar havia perdido o pai, o famoso pai médico de quem tanto se orgulhava e que nos tratava com um gentil desdém. O império de césar começava a ruir; sua família vendeu a casa (aquela, a mais bonita, onde morava o menino mais rico), e de um momento para outro tudo simplesmente sumiu. De repente, as coisas em relação ao nosso césar foram se diluindo, as lembranças também foram minguando.

Que me lembre, nunca mais vi nosso césar. No mínimo quatro décadas se passaram e, sem dúvida, se cruzássemos em alguma rua, provavelmente não nos reconheceríamos. Mas, honestamente, aquele guri me ensinou muitas coisas importantes, como abominar a arrogância, o mando pelo simples desejo de mostrar o poder que aos demais submete.

É claro que não precisaríamos suportar o nosso arrogante companheiro porque, de um modo ou de outro, conseguiríamos tranquilamente viver sem ele e sem seus brinquedos e exigências tolas. Quando, por exemplo, caminhávamos ou andávamos de bicicleta, íamos aos cinemas, admirávamos e nos entorpecíamos ante o mundo feminino, raramente nosso césar estava conosco. Não que não quiséssemos a sua presença, mas a verdade é que, infelizmente (hoje vejo assim) o nosso césar era uma pessoa muito só, que precisava urgentemente dos seus brinquedinhos para justificar seu mando e a sua peculiar arrogância. Em verdade cada um de nós tínhamos nossa turma, nossa fraternidade, nossas pequenas confissões e pecados e erros e acertos, nossos propósitos; nosso césar tinha tão somente objetos, gadgets convenientes e que, em determinados momentos ou circunstâncias garantiam-lhe um poder de tigre de papel.

Lendo este post, alguns poderiam supor que nós todos éramos muito cínicos, pois sabíamos da necessidade emocional do nosso ditadorzinho e então aproveitávamos tais circunstâncias; talvez em parte isso pudesse ser utilizado como argumento, mas, mesmo assim, dávamos a ele, em contrapartida possibilidades reais de integração, chances de estreitar amizades, de participar efetivamente de uma fase cheia de ebulição, contrariedades e conquistas, como a adolescência. Por outro lado, não tínhamos maturidade suficiente para entendermos tais processos no final da infância e iniciando uma adolescência em meio a tantas possibilidades.

Para nós, o nosso césar era apenas um monumental chato, que nos levava um pouco da inabitual paciência, mas que convivíamos numa boa. Por outro lado, a vida me ensinou que o nosso césar foi apenas um biscuit,uma avant première, um prólogo ao infinito de chateação, de prepotência e de mando sem sentido com os quais fui brindado até aqui. Nesse sentido, nosso césar foi, sem dúvida, o pioneiro!

Também seria razoável colocar aqui que há décadas não vejo o nosso césar, então ele merece, afinal de contas, um voto de confiança. Na verdade, comportamentos que radicam na infância e na adolescência podem claramente ser modificados, até por que a vida ensina. Espero, sinceramente que hoje, passado tanto tempo, nosso querido tenha aprendido a compartilhar e a ser (bem) mais generoso do que era. Afinal, a esperança é a última que morre. Mas morre.

Amizade e vinho requerem tempo e maturação

 

Ricardo, Stalimir e eu, com uma diferença de 50 anos: amizade é vinho.

Encontrar-se, um happening.

 

Tem amizades que, durante algum tempo (ou muito) ficam em stand by. Isso: ficam ali por perto, esperando serem ativadas; se não forem, vão ficar insensíveis, esperando que o sentimento que as mantém ligadas colapse de vez. Essas são amizades que estão contingenciadas a determinadas passagens e cenários de nossas vidas; são aquelas da época da escola, da época em que trabalhamos aqui ou ali, dos momentos mais ou menos marcantes em que tais ou quais pessoas estavam mais ou menos próximas. Significa que a proximidade continua? Não, mas sim que ela pode ser resgatada em razão da significância dos momentos em que privamos dessa amizade ou, simplesmente, pela nossa memória, que passa a buscar pessoas importantes em determinados eventos em nossa vida. No entanto, se a amizade está em stand by, nem sempre isso é possível, pois os cenários mudam e talvez obtenhamos, tão-só, uma cordialidade um pouco mais atenciosa, mais saborosa, mas não mais a intimidade plena que é requisito para a amizade verdadeira.

A amizade requer, especialmente, renúncia, interesse na outra pessoa pelo que ela é, compreensão, e mesmo oposições. Podemos ser duros com nossos amigos: eles entenderão, mesmo que sejam dispensáveis as palavras. Há uma sinergia presente, há um doar constante, há uma cumplicidade que o tempo cada vez mais ajuda a construir.

Costumo dizer que amizade é amor sem sexo. O contrário não é verdadeiro, porque o amor não dispensa a amizade. Sou mais amigo de quem mais amo. Como o amor mesmo pode dispensar o sexo (a paixão não!) podemos então, verdadeiramente, sermos amigos de pessoas do mesmo gênero ou não. Aliás, o que mais nos impede de cultivarmos amizades reais são conceitos ou pré-conceitos sócio-culturais e histórias de vida. Quando, contudo, nos ocupamos de nossa humanidade, absolutamente desimporta qualquer outra referência que não seja a humanidade do outro. Claro que podemos ter amigos que sejam mais ou menos humanos que nós, mas quem cultiva a intolerância ou quem restringe as suas experiências e relacionamentos à uma carta de obviedades, tem maiores dificuldades em se encontrar plenamente com grandes amizades.

É necessário, também, que nos permitamos ser flexíveis o suficiente para compartilharmos com os outros o que somos. Por vezes nossa auto-crítica anda tão alta e nossa estima pessoal tão baixa que nos tornamos áridos, secos de sentimentos e mesmo estranhos a nós mesmos. Não raramente deixamos de viver prazeres porque nos embrutecemos a tal ponto que perdemos a capacidade de sentir e, portanto, de nos congraçarmos com o outro. Passamos a ser vítimas de uma indiferença a qual demos causa.

Grande amigo meu, D., tem conversado comigo de quanto percebe as amizades ou os relacionamentos esvaziados; casamentos, namoros, nada disso parece estar a salvo de um escapismo individualista, em que cada uma das partes busca, em primeiro lugar, seu interesse, para somente depois pensar ou referenciar o outro. Infelizmente tenho de concordar, pois é assim que percebo um mundo onde as intenções sempre passam pelo individual, pela satisfação de desejos muitas vezes inalcançáveis. Talvez por isso a amizade seja cada vez mais tão buscada, como um aporte aos sentidos e aos sentimentos, como um local especial, onde podemos confiar, onde podemos ser nós mesmos. A retirada da máscara social da conveniência talvez seja, aí a operação mais difícil e, por todos esses fatores, é indispensável que haja tempo para que a amizade amadureça, crie vínculos, raízes, possa estender-se além do manto da superficialidade óbvia a qual todos nós nos submetemos.

O tempo para descobrirmos o sabor do vinho, para crescermos, para chorarmos e nos angustiarmos; o tempo para sorrirmos e construirmos nossos pequenos-grandes sonhos, para caminharmos e reconhecermos, em nossas vidas, um projeto. O tempo para que tenhamos possibilidades reais de termos poucos, raros, talvez apenas um amigo. Talvez, e com muitíssima sorte, um Schannini José K, ou um Stalimir, ou um Delmar, um Antonio Augusto ou uma Jaqueline.

Amizades que lembram um vinho (e é claro que muitos amigos/as não estão listados/as como exemplo, mas poderiam estar, sabem disso) maduro, requerendo tempo, maturação, conversas, troca de experiências. A amizade reside aí, e não nos interesses imediatos e negociais. Somos amigos porque queremos ser e continuar sendo. Como disse uma vez, amizade é amor sem sexo.